19.9.07

24HORAS DEPOIS

Este era o dia mais feliz da minha vida. Já há algum tempo que não via os meus pais. Eles vieram de propósito para a estreia. Apresentei-te a eles. Finalmente conheceram-se. Claro que tu como tens esta estranha relação com o tempo, esta tarde fizeste-me chegar mesmo em cima da hora. Claro que não me fica nada bem chegar atrasada à estreia do filme no qual sou protagonista, mas como estou muito feliz não quero estragar a noite com os teus atrasos. No final do filme, quando todos aplaudiram, os meus pais tiveram logo de se ir embora porque a viagem ainda é longa. E tu, que tinhas umas coisas para terminar no escritório, também te despediste e combinamos às 22h30m da noite em minha casa. E aqui estou em minha casa na noite da estreia do meu filme, a noite mais feliz da minha vida, sozinha. Uau! Sinto-me tão feliz! Que feliz que eu estou! Acho que neste momento, se fosse um bocadinho mais feliz, rebentava de tanta felicidade! Telefono ao meu ex-namorado, que está a jantar com uns amigos num restaurante Chinês, e vou lá ter. Depois vamos ao cinema, mas desta vez a protagonista não sou eu. Se bem que não me importava nada de dividir o écran com o Di Caprio, em “A Praia”. Estranho estar no cinema outra vez, no mesmo dia, em que, há poucas horas atrás, eu era a protagonista. Também há poucas horas atrás, este era o dia mais feliz da minha vida, e agora aqui estou eu. O filme acaba às 22h e não aceito o convite para ir beber um copo. Vou logo para casa, porque tu estás quase a chegar para terminarmos o dia mais feliz da minha vida com uma noite perfeita. Faço um chá e preparo uns bolinhos. Ligo a televisão. Tomo um banho. Perfumo-me. Espero por ti, que já estás outra vez atrasado, pois quando olho para o telemóvel este diz-me que já é quase meia-noite. É uma coisa que nunca vou perceber, porque é que os homens têm esta estranha relação com o tempo. Nunca conheci um homem que chegasse a horas. É isso que vos ensinam na escola quando estão a jogar futebol? “Nunca se esqueçam de chegar atrasados, e de deixarem as raparigas à espera!” E a verdade é que nós esperamos por vocês. Porque, já lá vão duas idas ao cinema no mesmo dia, e aqui estou eu novamente em casa, sozinha. Começo fortemente a suspeitar que este não é definitivamente o dia mais feliz da minha vida. Por volta da uma da manhã ligo-te, mas não atendes. Penso que já deves vir a caminho e por isso não atendes. Mas também poderias ter enviado uma mensagem escrita a dizer: estou atrasado, não podias? Já que vocês sabem que chegam, sempre, atrasados porque é que não começam a enviar mensagens de aviso? Agora os telemóveis até já trazem aquelas mensagens modelo, género telegrama stop stop. “Estou atrasado.” Claro que três horas depois nós já percebemos que vocês estão atrasados, a mensagem não traz novidade nenhuma, mas pelo menos mostra que se preocuparam. É uma questão de atitude. E a única atitude que me acontece enquanto reflicto sobre “os homens e os seus atrasos” é adormecer vestida no sofá, sozinha, por volta das 3h30m da manhã. Acordo sobressalta às 7h30m. Olho para a porta, continua imóvel. Estupidamente vou ao quarto ver se tu estás, mas a cama está intacta. Sem sequer tomar banho, nem lavar os dentes saio a correr de casa e vou para a tua. Mas tudo me indica que não estiveste em casa. A cama feita, impecável como eu a deixei ontem à tarde. No sofá não há uma ruga e as almofadas estão todas alinhadas. A loiça lavada na cozinha, e no frigorífico não falta nada e nem sequer existe lixo a mais no balde. Onde estás? Onde estiveste tu estas horas todas? Onde passaste a noite? Continuo repetidamente a ligar para o teu telemóvel mas não atendes. Tenho medo que do cansaço tenhas adormecido a conduzir e tenhas tido algum acidente. Tu andas com excesso de trabalho. Imagino-te no meio da auto-estrada, deitado no chão, ensanguentado. O carro desfeito contra uma árvore e o telemóvel a tocar. Entretanto o telemóvel deixa de tocar. Está desligado. Devo ter-te gasto a bateria toda. Não sei o que fazer. Estou em tua casa, e tu não estás. Combinaste comigo ontem às 22h30m da noite e já se passaram quase 12horas. Tomo um banho. Lavo os dentes. Decido começar a ligar para os Hospitais à tua procura. Para a polícia só podemos ligar 24horas depois, que é o tempo exigido para se considerar um desaparecimento. Numa última esperança ligo novamente para o teu telemóvel, mas desta vez já toca novamente, mas mais uma vez tu não atendes. Mas se estava desligado há pouco, quer dizer que o ligaste. O que quer dizer que estás consciente. Mas onde estás? Eu já nem sei se estou chateada ou preocupada, mas realmente tenho de confessar que desta vez estás um bocadinho atrasado. Vou para o escritório e abro armários, gavetas, pastas, dossiers, agendas, blocos de notas, à procura de um indício qualquer que me ajude a perceber onde estás. Nada. Não encontro nada. Não sei para quem hei-de ligar. Não tenho o telefone de nenhum amigo teu. Encontro o telefone da tua irmã. Sei que é um atrevimento da minha parte, já que nós nem sequer nos conhecemos, mas com a maior das latas decido ligar-lhe a perguntar por ti. Afinal este número parece ser a única esperança que me liga a ti. Agora fico eu sem bateria no meu telemóvel, de tantas vezes que já te liguei – pelo menos uma delas poderias ter atendido, escusavas de me fazer passar por isto tudo – e com as pressas, nem sequer trouxe a porcaria do carregador. Daqui a pouco quem precisa de ser carregada, sou eu, que não tenho bateria nenhuma, e já são quatro da tarde, ainda não comi nada o dia todo e estou neste stress à tua procura. Pelo menos podias ter deixado umas pedrinhas pelo caminho para eu seguir o teu rasto. A única solução é ligar-te de uma cabine de moedas, já que não tens telefone fixo. O problema é que por esta altura essas cabines já começam a estar em vias de extinção. Procuro pela cidade toda e encontro uma perto da estação de comboios. Não tenho muitas moedas, de maneira que isto terá de ser rápido. Ganho coragem, ligo. Atende o tal de teu cunhado que te passa o telefone. Dizes-me que estavas muito cansado, acabaste por jantar em casa da tua irmã e que adormeceste. Isto até serviria de desculpa para ontem, mas como também já deves ter almoçado, já tiveste tempo para perceber que marcaste comigo ontem às 22h30m da noite, e que já passa das 16h da tarde de hoje e não sei nada de ti. Dizes-me que vens já para casa, para eu esperar por ti. Como se eu tivesse feito outra coisa desde as 22h da noite de ontem. Vou para tua casa, sozinha. Não sei o que sinto. Estou furiosa, nervosa, irritada, contigo e comigo, por continuar à tua espera. Por volta das 18h da tarde ligo para o teu telemóvel, desta vez atendes e dás-me a mesma resposta. E começo a não perceber qual o teu significado de “vou já!” Talvez o teu “já” não seja igual ao meu, mas pelo som ia jurar que tem um Jota, um A e um acento. Compro umas bolachas no Pingo Doce. Deito-me no teu sofá a ver o “Psico” do Hitchcock para me relembrar de que ontem não foi definitivamente o dia mais feliz da minha vida. E por coincidência, o de hoje também não. Por volta das 22h30m da noite entras em casa. Pedes-me desculpa, prometes que não volta a acontecer. Logo agora que se estava a cumprir o prazo para apresentar um desaparecimento na policia. 24h depois.

10 comentários:

Pedro Eleutério disse...

Mais uma crónica sofrida. As tuas mulheres já se parecem com as mulheres do Lars Von Trier. Nunca devemos "planear" um dia feliz... ele acaba por nunca o ser (esta agora foi um pouco pessimista mas a ideia é precisamente a contrária).

Abraço
Pedro

Athanais disse...

um fiel retrato. Ha poucas pessoas com capacidade para compreender o sexo oposto...

vou linkar e visitar mais vezes*

Will disse...

P*** que pariu o gajo, lol

Martinha disse...

Aqui está o maior atraso que já ouvi falar... -.-'
Vou agora dar um saltinho ao teu novo blog.
Beijo *

Denise disse...

Hum... pessoas dessas não interessam nem ao menino Jesus...! Credo, era ser comigo, metia-o dentro da máquina de lavar roupa... e depois secava-o no estendal de cabeça para baixo...!*

Rama disse...

uma crónica lida um bocado a pressa..tb pk o texto incita a isso mesmo... espero k as ferias estejam a ser boas..

abraço

Solteiro Devasso disse...

o teu blog é como o subconsciente. adorei.

temporaria_mente insana disse...

então pah?

tb tou nessa, na furtado!

espero, que não seja a mesma musica...
sei lá...
a rebelo pinto diz que
não há coincidencias...

e tu que dizes?

h_mãe


ah! tenho um blogue novo...

sonjita disse...

Gostei da tua crónica... vou cá voltar para continuar na leitura de outras crónicas... Agora, quanto à realidade da história, hummm,depende das mulheres... eu provavelmente faria tudo o que ela fez porque afinal quem ama e se preocupa faz o que ela fez, mas comigo o desfecho seria diferente... para mim quem não respeita não ama!!!!!

Klatuu o embuçado disse...

Ficcionar a vida dá sempre uma certa pica... :)

Abraço.
P. S. «Tás bom?»
«Queres mesmo saber?»