8.9.06

A BALARINA COR DE ROSA



Eu era a melhor bailarina de todas. Era não, sou. Sou e continuarei a ser. A melhor, e a mais bonita. Ninguém como eu sabe puxar e prender o cabelo atrás como as avós. A nós meninas de bem, tudo nos assenta o melhor possível. Mas a nenhuma delas assenta tão bem o cor-de-rosa como a mim. O cor-de-rosa é a minha cor. Ninguém prende como eu a fita de cetim cor-de-rosa à volta do cabelo, que parece um pequeno muffin. E a fita à volta dos tornozelos? Perfeita. Eu estou sempre no meu melhor. Todas elas se tentam parecer comigo, mas temos que admitir que são tentativas patéticas e inúteis de se igualarem a um cisne cor-de-rosa. Eu não caminho, eu deslizo. E só eu voo em pontas como se por magia de uma fada em pós mágicos tivesse ganho asas transparentes purpurinadas e levitasse num voo perfeito de cristal. As mães delas têm orgulho em mim, e vêem-me como um exemplo a seguir. Quando a orquestra sobe e a luz se diminui num foco central e mágico, eu levanto voo. É como deslizar por todo o arco-íris. É caminhar em pontas sobre as águas translúcidas de uma lagoa encantada iluminada pelas estrelas mais brilhantes. Quando danço, os meus pés não estão na terra. Levam-me de Marte a Plutão e eu sinto que fui abençoada. Por isso, acho a maior das injustiças esta perda de tempo de estar aqui deitada em pijama. E a culpa é tua Cristina. Eu não te odeio. Mas quem te mandou borrifar o cabelo com gel spray três segundos antes da orquestra começar a tocar e que me fez deslizar num voo até ao fosso da orquestra mesmo sem estar em pontas? Sempre foste muito invejosa Cristina. É tão patético. Achavas mesmo que algum vez eu te ia chamar Cris? Que apelido ridículo. E achavas mesmo que te ia convidar para a minha festa de aniversário? Primeiro, eu não gosto de morenas. Têm todas, um ar tão sujo e aciganado que não se aguenta. E depois porque nem sequer terias como ir para casa. Claro que o meu motorista não sabe onde fica a Amadora, e eu não tenho culpa que os teus pais tenham falsificado a morada, para que possas frequentar o Liceu Francês. Fizeste de propósito para te vingares, confessa Cristina. Esquema barato e pouco original de uma suburbanazinha de baiuca. Mas eu não vou ficar aqui pendurada por uma perna engessada para sempre. Em breve arrancam-me a perna deste suporte ridículo que parece um cabide para membros inferiores e volto a voar novamente. E quando todas as meninas souberem que foste tu a culpada e que esquematizaste propositadamente este “acidente” para fazeres tu o papel da sereia esvoaçante, podes começar a procurar um liceu de bairro porque de Francês fica-te apenas algum sotaque dos emigrantes que encontras ao sábado à tarde na Costa da Caparica. Eu não sou snob, Cristina. Apenas não acho a menor das graças a essa mistura eclética que o povo insiste em fazer, tentando ascender a um núcleo que não lhe pertence, de todo. Tenho a certeza que as outras meninas de bem concordam comigo. Tenho que as alertar sobre o perigo da tua existência. Tu não podes continuar a sujar o liceu com essas saias patéticas dum mau gosto que não se aguenta. Elas vão concordar comigo. Eu sou praticamente uma espécie de líder a seguir por todas elas. E como qualquer grupo, sem líder, ficam desorientadas. Mas a admiração e devoção delas é nítida. Estranho ainda nenhuma delas me ter vindo visitar nestas três semanas que se passaram. Devem estar excitadíssimas com os ensaios e não têm cabeça. Mas tu sabes que as vou alertar, e que lhes vou dizer toda a verdade. Nem vale a pena fazeres o número da coitadinha que quando chora toda a gente se comove. É patético. Tu jamais vais ter amigas assim, Cristina. Não vale a pena enganares-te a ti própria. Não passa de uma suburbana frustrada, condenada a ficar sozinha. Por isso é que não compreendo porque é que foste a única que me veio visitar com aquele arranjo ridículo de rosas cor-de-rosa e esse cartão patético escrito a miudinho: “Desejo-te do fundo do coração as melhoras, assinado Cristina.“

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