17.7.09

CONICA DO GRILO E DA AREIA



Quando me levantei sentia que o chão me estava a fugir dos pés. Como se a cada passo que desse sentisse o solo a tremer, prevendo a qualquer momento que a madeira toda estalasse e todo o prédio desabasse mesmo ali diante dos meus pés. É a mesma sensação de que quando tentamos agarrar areia com as mãos. É impossível. Ela esvai-se. Existem coisas assim na vida. Que são como areia. Queremos agarrá-las, mas não é possível. E parece que por mais que tentemos ou arranjemos soluções e estratagemas para que fiquem na nossa mão, vemo-las escorregar por entre os dedos. Assim são as relações. Às vezes parece que a única maneira que temos de as segurar é pegar numa pequena caixinha e guardar a areia lá dentro. Mas isso seria prender uma relação à nossa disponibilidade, à nossa vontade. Seria como prender um grilo numa caixinha de fósforos. Quantas vezes em criança não guardámos grilos em pequenas caixas de fósforos coloridas, e sem percebermos porquê um dia abrimos a caixa e o grilo não está lá? Não entendemos porquê. Porque temos a certeza que fizemos tudo o que podíamos, o que devíamos, e que o fizemos bem feito, mas o grilo arranjou uma maneira de nos escapar. Porque o grilo não nos pertencia, nem nos queria pertencer. Todas as pessoas são livres, mesmo aquelas que prescindem da sua própria liberdade. Um dia vão reclamá-la. E quando confrontadas com a falta dela, apenas um objectivo de se torna como meta: o de se libertarem. Podemos esperar que o grilo volte. Podemos por uma canção perto da caixa, uma luz de uma vela, prometer-lhe que a caixa vai ficar sempre aberta e que não vai ficar aprisionado a nós, mas com a escolha de entrar e sair pela sua vontade. Podemos fazer tudo. Mas também temos de aceitar que um dia a caixa pode ficar vazia para sempre. E não vale a pena substituir o grilo, porque tal como tudo e como todos, os grilos são insubstituíveis. Então o que faz o chão ganhar novamente estabilidade para se caminhar? A esperança? A honestidade? A pureza de sentimentos? Não esperar nada e aceitar simplesmente as dádivas da vida e do amor? E às vezes percebemos que afinal era tão simples. Estava mesmo ali ao lado e não nos demos conta. Olhamos a nossa mão e ficaram perdidos alguns grãos de areia. A areia afinal não escorregou toda. Alguns grãos ficaram na nossa mão e esses são preciosos. Ficaram porque queriam ficar. Ficaram porque tinham de ficar. E quando nos apercebemos que afinal temos nas mãos uma preciosidade é importante cuidá-la, porque as preciosidades são raras e devem ser cuidadas como uma borboleta, como um malmequer ou como uma música. E se cuidarmos, e não pedirmos nada, numa entrega absoluta de silêncio e dedicação, percebemos que por mais que lavemos as mãos, encontramos sempre um grão de areia colado. Aí podemos abrir a janela e ver que a borboleta se passeia pela nossa janela enquanto as pétalas do malmequer sorriem para o sol ao som da música. Claro que tudo isto dá muito trabalho. Mas nada se faz com muito esforço e as certezas absolutas não existem, muito menos a curto prazo. Mas se eu não te pedir nada em troca, se te der num silêncio puro de esperança, se te trouxer a água e o sol, se te prometer que nem sequer haverá caixa, porque o teu espaço no meu coração é do tamanho que tu quiseres ocupar, ficas comigo? E um dia, como que por magia, a areia que estava nas nossas mãos, e que tinha acabado de escorregar, volta a subir novamente. E nesse dia de milagre da natureza, sabemos que podemos caminhar novamente sem temer o próximo passo, pois sabemos que percorremos um caminho sólido sustentado pelo amor.
(ao meu chocolatinho)
escrito 10.09.2006

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