11.9.06

PEDRO E AS MAQUINAS




Nunca soube lidar com máquinas, mas sempre fui muito curioso, aventureiro e com mania que sabia mexer em tudo. Em criança era eu que sintonizava os canais de televisão, na aventura e intuição, pois não percebia nada de bandas, eu nem sequer gostava dos Dire Straits, e tinha sempre a esperança que atrás daquela chuva cinzenta mesclada a pouco e pouco a imagem dos desenhos animados que ali estava escondida iria ter a coragem de aparecer, para eu me poder afundar no sofá com joaninhas de chocolate. Quando o primeiro vídeo chegou lá a casa tive de o descobrir todo, e não descansei enquanto não o consegui descortinar e sintonizar, reproduzir, rebobinar, gravar e programar para gravar a determinado dia e hora não fosse eu não estar em casa, ou ainda estar a dormir à hora em que dava o menino-prodígio, que era uma série dum menino que com quinze anos já era médico e que nunca percebi porque passava às oito da manhã. Máquinas de calcular sempre foram um terror para mim, ainda hoje tenho de tentar três vezes até conseguir calcular uma percentagem. Esquentador outro problema. A máquina de lavar roupa quantas vezes transbordou água ou detergente, ou ficou cinco horas a rebolar uma t-shirt às manchas porque devo te escolhido o programa errado. Fogão a gaz ou eléctrico, pior ainda. Uma vez num fogão a gaz a chama estava tão alta que depois de ter estorricado completamente a cafeteira, que entretanto já não tinha água e começava a fica com um buraco, começou a queimar o pano da loiça que estava pendurado e que adia em chamas qual Freddy Crugger. No outro dia no fogão eléctrico pousei um recipiente em plástico que rapidamente vi derreter em lava azul dum cheiro de boneco de borracha que foge da casa em chamas. Ora, como de chama não vi nenhuma, lembrei-me lá eu que o bico estava quente e ainda ia demorar a arrefecer. Comando de televisão, outro enigma a decifrar. A maior parte dos botões não serve para nada além de decorar esteticamente uma barra de plástico que igual a um cacetete serve para bater na cabeça de alguém. Quantas vezes, de comando da mão, me imaginei a dá-lo em algumas cabeças, bem mais eficaz que o alho no São João da Invicta. Deixa uma fractura craniana como deve ser e evita-se aquele cheiro insuportável que parece querer afastar todos os vampiros. Ou então a dar uso ao único botão que tem alguma utilidade “off”. Não era bom se pudéssemos apontar o comando para algumas pessoas e simplesmente desliga-las? Livros de instruções, aqui está uma lacuna na minha cultura geral. Confesso que prefiro ler Marguerite Duras, Patrick Suskind, Kafka, ou António Lobo Antunes – que ainda deve ser meu familiar se recuarmos na árvore genealógica da minha mãe – do que estar a decifrar aqueles livros traduzidos em todas as línguas, e onde muitas vezes é esquecido o português, o que nos obriga a decifrar em espanhol a memória descritiva dos aparelhos que me cansa imenso e como depois de ler todas as instruções fico exactamente na mesma, dou por mim a admirar os caracteres chineses, que são bem mais interessantes, ou a ver como é que se traduz bloquear em alemão. Bloqueado fico eu a aventurar-me a decifrar o funcionamento dum aparelho de ar condicionado, ou a tentar ligar uma aparelhagem, que é feito completamente de impulso e instinto, pois aqueles fios certamente que devem encaixar em algum buraco proporcional, é só ir tentando, e excluindo hipóteses. Este é o melhor método para ligar um aparelho. Acho mesmo que deviam aboli esses livrinhos embrulhados num saco de plástico transparentes, qual fiambre acabado de ser pesado – e não me peçam para pesar nada, que balanças não é definitivamente comigo. Claro que muitas vezes sobram peças mas assumo que são peças suplentes ou que estavam a mais nesse dia e decidiram colocá-las na caixa para alguma eventualidade. Deito fora ou perco sempre os certificados de garantia e os livros de instruções, claro que prometo que assim que começarem a publicar na feira do livro no Parque Eduardo Sétimo, livros de instruções de pessoas, compro, guardo, leio e releio até os decorar. Até lá que me desculpem os editores de manuais de DVDS, mas prefiro ver na minha estante O Amante, Hiroshima meu Amor, A vida Material, A Pomba ou o Conhecimento do Inferno. Incrivelmente de toda a tecnologia com que tive verdadeiras zangas ao ponto de nos deixarmos de falar, com quem mais discussões tive foi com o computador. Nunca o percebo e não o consigo entender. Ele lá deve ter razão nos argumentos que usa para se defender, mas não falamos definitivamente a mesma língua. Softwere, hardwere, modem, pclink, reset, restaurar o sistema, pop ups, fire wall, entre outros, são vocábulos que desconheço por completo. Claro que há sempre um amigo milagroso que com mezinhas e búzios nos salva o aparelho e nos livra de perder páginas infinitas e noites num teclado, como uma vez perdi 400 páginas de pesquisa e reflexão sobre a obra do meu realizador preferido Pedro Almodovar. Mas cuidado, não podemos confiar em todos, que isto é matéria muito delicada, e já houve por duas vezes, dois “amigos” que me limparam tudo ao pc e que o deixaram vazio. E não me digam simplesmente para desligar e ligar novamente porque essa técnica, para alguém que já estragou telemóveis, mp3, e uma maquina fotográfica enquanto tentava tirar uma fotografia do pôr-do-sol da praia de espinho, já não funciona, é demasiado básica para resolver os estragos que eu entretanto já fiz. E pergunto-me eu como poderei viver com esta péssima relação com a tecnologia, num mundo forrado a máquinas e onde até o ser humano começa a ser dispensado. Se calhar, não posso. Recuso-me a apanhar o Barco, porque é também uma máquina, e vou a nado para uma ilha deserta, claro que antes tenho de aprender a nadar, depois construo uma cabana com ramos caídos e subo às árvores para comer o dia todo o ananás que eu adoro. Se quiseres vai lá ter, porque eu vou indo antes que para me atirar ao mar tenha que ser todo medido e inspeccionado por algum aparelhometro com luzes vermelhas e que apita ruidosamente.