19.7.09

O LUAR, O MAR E NÓS



E um dia tu telefonas-me. Era uma sexta à noite. Eu estava em minha casa, na solidão do meu sofá azul. Eu tinha-te dito uma vez numa mensagem que um dia ia dia passear à noite à beira-mar com alguém especial. Tu, como um verdadeiro príncipe, disseste-me que gostarias de me realizar esse sonho. Tive algum medo quando o disseste. Tenho a certeza que esse tal alguém especial de que eu estava a falar, sem eu saber, eras tu. Mas existia um pequeno pormenor que não permitia a este encontro a perfeição de um filme cor-de-rosa ao fim de tarde de sábado. O meu namorado. Ali estava eu sem saber o que fazer. Ele não estava comigo, para variar. Desta vez estava de fim-de-semana em casa dos pais. Quando não era trabalho, era a casa dos pais. Quando não era ir aos pais, era ir ao Porto, a trabalho. Incrivelmente nessa noite lembrou-se – estranho milagre assombrava os arredores de Lisboa – de me ligar a desejar uma boa noite. Como se fosse possível ter uma boa noite neste sofá azul solitário, quando a pessoa que nos pediu em namoro hà um ano atrás nem sequer faz um esforço para fingir que tem saudades e se esqueceu do meu aniversario, e pela noite numa pizza manhosa aquecida no microondas lá diz: hoje fazes anos, não é? Parabéns. Digo-lhe que me vou deitar e desligo o telemóvel. A tremer aceito o teu convite. Perto da meia-noite estacionas o carro à minha porta. Desço e deparo-me com o mesmo sobretudo preto, alto, comprido e entroncado de barba de três dias. Depois de tanto tempo voltámo-nos a ver. O cavaleiro andante de sobretudo preto vinha-me buscar às masmorras da minha solidão para uma noite de sonho. Demasiado irreal para ser possível? Troco o sofá azul pelo teu carro. E ali estamos nós. Sorris uma calma tão doce que me apetece deitar no teu calo, aninhar-me e adormecer nesse sorriso. Eu estava dentro do teu carro. Nós os dois a partilharmos um pequeno espaço apertado, que nos empurra um para muito perto do outro. Respiro fundo. Estamos os dois nervosos. Eu sento-me como que uma espécie de adolescente em ebulição, que coloca almofadas na cama a simular um corpo, e que salta às escondidas pela janela, para um encontro proibido. Isto era mais do que proibido. Se chegasse à cama dele a noticia de que estou aqui contigo, ele rapidamente se lembrava que eu existia – talvez pela primeira vez no nosso namoro – e logo tratava de me avisar que te mandava partir as pernas. Como era seu costume ameaçar toda a gente. Isto porque já deve ter percebido que os seus insultos quotidianos já não fazem efeito, não por eu ter descoberto qualquer vacina, mas por terem entrado em rotina. Mas eu não queria saber nada disso. Nem se ele ia descobrir ou se eu ia sentir culpa. Culpa de quê? De caminhar na praia? Nunca li em lado nenhum que é crime passear na praia. Sim, é de noite, e sim, vou contigo. Mas é exactamente isso que torna a noite tão mágica e tão especial. Se o tempo parasse, queria que o bloqueio fosse nesta noite, aqui nesta praia. Caminhamos contra o escuro à procura de umas pequenas estrelas coladas estrategicamente a nossa frente. Temos um imenso painel perfeito à nossa volta e estamos envolvidos nesse cenário brilhante e misterioso. Passeamos abraçados à beira-mar. Tu colocas o teu braço à volta dos meus ombros e eu encaixo o meu na tua cintura. Não teria coragem de o colocar discretamente no bolso detrás dos teus jeans, por isso ainda bem que vens de sobretudo. Caminhamos tanto nessa areia e esse sobretudo fica-te tão bem. Ficas misterioso, elegante. Belo. Será que é isto que se diz quando alguém se sente apaixonado? Estávamos completamente sozinhos. Não existia linha do horizonte. E nós não tínhamos destino. O nosso único propósito era aproveitar o melhor possível, este nosso passeio ao luar. Do nosso lado direito estava o mar. As ondas de água abençoavam o nosso encontro. Havia uma magia nessa noite, nessa praia, nesse mar, que a melhor das fadas não conseguia compreender. O teu corpo quente abraçado ao meu. O teu braço forte a proteger-me. O teu cheiro. O som das ondas era a música que nos fez por uma noite levitar. Desabafei contigo. Chorei. Falei-te que vivia uma relação já morta, e que eu esticava um pouco mais a corda na inocente esperança de aquilo se vir a tornar em qualquer coisa. Desprovida de qualquer romance, paixão ou emoção. Que os meus dias nasciam gastos e anoiteciam sem qualquer sabor. Mas que temia desistir. Apenas porque não me dava bem com esse verbo. E tu, como o verdadeiro cavalheiro que és, não comentaste. Poderias ter dito: “Estás assim porque queres. Larga-o. Eu estou aqui à espera que me dês a oportunidade de te fazer verdadeiramente feliz!” E estavas. Mas não. Não disseste nada. Mordeste o lábio e ficaste em silêncio. Nunca te pronunciaste sobre ele. Sabias que me amavas, mas amavas-me em silêncio. E aceitavas. Nunca pisaste o risco. Nunca tentaste fazer nada que eu não quisesse. E disse-te, que por mais que me apetecesse beijar-te, e aquele era o cenário perfeito para aquele que seria o nosso primeiro verdadeiro beijo, eu não o poderia fazer. E tu percebeste. Eu tinha um compromisso e não ia traí-lo. Apesar de saber que esse compromisso não tinha qualquer validade, e que estava mais do que caducado, senão eu não estaria ali. E cumpri a minha palavra de honra e não traí. E o mar foi minha testemunha. E não te beijei. Mas o importante não era o beijo em si, ou a falta dele, mas a emoção de estar ali, contigo. Nós os dois, à noite, a passear abraçados à beira-mar. O cenário magicamente perfeito e romântico, mas sem um beijo. E o importante a reflectir, é que eu tinha aceite o teu convite, e procurado a tua companhia, porque algo não estava bem na minha relação. Aliás, estava tudo errado. E quando alguém procura alguma coisa, a questão a perceber é: o que é que lhe falta! Infelizmente muitos apegam-se ao orgulho ferido de uma suposta traição – se é que esta noite se pode considerar traição, não penso que não – e esquecem-se de tentar perceber a origem do problema. E a origem do problema era ele, e o modo como me destratava. E isso é que era necessário ser resolvido. Esta noite não era o problema mas uma consequência do mesmo. Mas ele nunca se debruçou sobre isso. Nunca se questionou se me faltava alguma coisa e se me a poderia dar. Ele queria lá saber do romance. Ele jamais passeou comigo na praia à noite. Alias, nem sequer de dia. Quando me deitei, não conseguia deixar de pensar em ti e na noite perfeita que tinha tido ao teu lado, apesar de não ter sentido os teus lábios. Só mesmo alguém muito especial e muito sensível para me fazer viver uma noite assim sem ter tido em troca um beijo. Sabemos que termos sempre o luar à nossa espera, e o mar será nossa testemunha. E pensei, se eu ficasse contigo, seria sempre assim?

(ao meu chocolatinho)
escrito em 11.09.2006

10 comentários:

Plum disse...

Excelente!Como sempre!***

Unknown disse...

às vezes pergunto-me se andaste com uma camara escondida a gravar a minha vida ou a analisar os meus sentimentos... lol. Posso apenas dizer-te que nem do beijo sentes culpa :X

Nini disse...

Essa crónica consegue demostrar que nas coisas mais básicas nos consolamos pela falta de coisas importantes.
Nem bastou um beijo para colmatar a faltar de carinho, atenção e Amor.
Quem nunca viveu algo assim ?!!!

Mas o fim tb diz muito "Se eu ficasse ctg, seria sempre assim ?!"....

Hugo Filipe Nunes disse...

Que o mar seja sempre testemunha das mais diversas felicidades. Que o mar afogue os maus momentos e os embrulhe em ondas longínquas.

Que o luar brilhe em nossos corações e alumie as alegrias. Que a luz da bela lua nos proteja!


Que sejas feliz.
Aquele abraço,
fn

Will disse...

Mais um excelente texto: parabéns! =)

Anónimo disse...

Nada mais belo e saudável do que a conquista! Parabéns por mais uma excelente crónica!


abraço*

Rama disse...

leitura muito boa... ;)

abraço grande

SoNosCredita disse...

acabar com uma relação ñ é desistir...

arrisco dizer que é um acto de coragem que poucos ousam cometer!

Martinha disse...

Então, que o mar seja sempre testemunha destes amores verdadeiros, e o luar, o melhor companheiro. :)
Beijo *

Alien David Sousa disse...

Pedro, gostei!E por ter gostado vou ter de te dar MESMO um beijo!;)

Beijinhos