21.9.06

O MISTERIO DOS CONVITES






Depois daquele desfile de moda, a nossa vida nunca mais foi a mesma. Eu tinha-me esquecido que nesse fim-de-semana tinha de ir a Braga a trabalho, e convidei-te para irmos ao Porto-Moda. Estranho foi quando percebeste que eu não podia ir e me disseste: eu posso ir na mesma, não é? Pois, poder podes, mas que estranho, tu que ligas nada a moda. Leva um amigo teu, sugeri. Mas preferiste convidar um amigo meu. Se eu chegar mais cedo, vou lá ter, a Nádia deixou-me imensos convites! Assim que eu estiver a chegar ao Porto, telefono-te e combinamos! Levaste a chave de minha casa. Foste buscar os convites à caixa de correio. Estranhamente, não levaste apenas dois, um para ti e outro para o Paulo – o Paulo é o meu melhor amigo e parece que nestas ocasiões está sempre presente como que fiel testemunha ocular daquilo que virá a ser um grande pesadelo para mim – mas levaste todos os convites, sem deixar apenas um solitário para pelo menos eu ver a cor dele. Por volta das 23h30 já estou a muito perto da ponte D. Luís, e telefono-te para saber como está tudo a correr. Bem sei que tu e o Paulo não são propriamente os melhores amigos, aliás, tu não sabes, mas o Paulo reconhece-te duma festa ou discoteca qualquer do passado, e continua com uma péssima impressão tua. Não atendes o telefone. Ligo novamente e novamente não atendes. Começo a tremer um bocadinho, mas convenço-me de que no desfile a musica está tão alto que não te permite sequer perceberes que quero falar contigo. E se existe uma coisa que eu detesto é musica alta. Não consigo pensar. Penetra-me no mais fundo do meu cérebro, toda a massa cinzenta fica em convulsões e ebulições, e formular um pensamento, por mais simples que seja, torna-se tarefa impossível de executar dentro do meu crânio. Meia-noite. Chego ao Porto. A cidade está um caos. O FCP deve ter ganho porque as ruas estão decoradas com saladas barulhentas de automóveis de todas as cores. Entro em casa muito devagar, quase numa respiração imperceptível. Porque levaste os convites todos? Será que te vais pôr a distribuir convites à porta? Ou tentar vende-los, qual indiano-què-frô? Ligo-te novamente. Nada. Ok, vou ligar ao Paulo. Ele deixou o telemóvel no carro e não está aqui, foi dar uma volta, está no primeiro intervalo. Não, podes vir, isto atrasou quase uma hora, começou há pouco tempo. Então mas um de vocês tem de ir ter comigo à porta com um dos convites para eu entrar, o Carlos não me deixou nenhum. Olha, ele já está aqui, vou passar-lhe o telefone. Não isto está quase a acabar não vale a pena vires sim sim antes de ir para Espinho passo aí em casa até logo. Aqui em casa a musica não está alta. Devia conseguir raciocinar. Mas, digamos que toda a massa cinzenta está embrulhada nela própria, parece a massa para filhóses que as minhas tias no Alentejo tentam esticar. Amasso, e não sai nada. Ora, primeiro: se combinámos que eu te ligava assim que chegasse ao Porto, porque deixaste o telefone no carro? Segundo: o desfile, que segundo o Paulo atrasou uma hora, acabou de começar ou está quase a acabar? Será que eles estão no mesmo desfile? Ou estarão em realidades paralelas em tempos desencontrados? Mas porque é que levaste os convites todos? Não podias ter-me deixado um? Os convites nem eram teus. Eram meus. A Nádia é minha amiga. Não é tua. Tu nem sequer a conheces. Bem, vou esperar, a ver no que isto vai dar. Espero até às 3h da manhã, que me adormecem no sofá. Não vieste ter comigo. Não me telefonaste. São 8h da manhã. Não me digas que ainda estás no desfile? Telefono primeiro ao Paulo. Não, não acabou assim tão tarde, 1h30m da manhã já tinha acabado. Ele despediu-se logo e foi-se embora. Não foi ter contigo? Não, Paulo, não veio ter comigo. Ligo ao Carlos. Tive de sair a correr ligaram-me da Empresa houve lá um problema e ainda tive de ir resolvê-lo pela madrugada estava cheio de fome e ainda fui comer qualquer coisa quando dei conta já eram 3h da manhã. HUM! Ou é impressão minha ou está-me aqui a escapar qualquer coisa. É que depois desse desfile de moda a nossa relação nunca mais foi a mesma. Afinal a colecção da Nádia estava gira, ou não? Assim que ela chegar tenho de ir lá a baixo a casa dela. Uma semana depois do desfile estou em casa do João. Vi o teu namorado, tem uma amiga toda gira! Amiga? O Carlos não foi com nenhuma amiga! Foi com um amigo! O Paulo, o meu melhor amigo! Com quem ele foi eu não sei, mas que saiu com uma amiga, saiu. Está na hora de desvendar o mistério dos convites. Ligo ao Paulo. Há alguma coisa que tu não me tenhas contado sobre o desfile? Há. Tu sabes que eu tenho uma péssima opinião do Carlos, sempre tive, desde do passado, e existem coisas que não se explicam, sentem-se. Ele não olhou uma única vez para o desfile. Quando os manequins estavam do lado direito ele olhava para a esquerda e vice-versa. Parecia que procurava alguma coisa ou alguém do outro lado da passerelle. No intervalo desapareceu. Disse que tinha de entregar um carregador de telemóvel a um amigo. O que achei estranho, pois ele tinha deixado telemóvel e o carregador no carro. No fim, apresentou-me uma amiga dele, Iva. Loira. Gira. Os dois ficaram ali a conversar e fui-me embora. Mas como ele não conhece o meu carro, fingi que me ía embora e fiquei no carro a espiar. E realmente eles saíram juntos no carro dele. Por isso é que ele não foi ter contigo. Desculpa só dizer-te isto agora mas como teu melhor amigo andava à procura do melhor momento! E eu não te quero dizer eu bem te disse, ou eu avisei-te não te avisei? Mas, eu avisei-te, não avisei? Ah! Então foi por isso que ele não me deixou nenhum convite? Está resolvido o mistério.

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