8.9.06

SOCORRO, ESTOU A AFOGAR-ME




Sexta à noite, altura de sair. E esta ia ser uma grande noite. Desde a hora de almoço que estávamos a combinar tudo em minha casa quando o Luís, que não tinha nada para fazer a tarde toda, decidiu servir whisky à Assunção. Estava tudo muito divertido, e quando voltámos ao fim da tarde do curso o Luís e a Assunção pareciam ter decidido mergulhar mesmo no Whisky. A Teresa começou a fazer os jantares que ia servindo em pratos individuais. Como não havia uma mesa enorme que desse para todos, uns iam comendo com o prato na mão, outros na secretária, no estirador e houve quem transformasse a tábua de passar a ferro numa contemporânea mesa de jantar. Entretanto íamos preparando ao espelho os visuais na noite. Sempre fomos um grupo bastante polémico na noite e esta não seria excepção. Era o revivalismo dos anos 60 e eu tinha optado por uma calças pretas giríssimas à boca-de-sino que mais pareciam pata de elefante de tão largas que eram em baixo, uma t-shirt preta transparente sem mangas, um casaco de trespasse bastante cintado preto, com um corte que me ficava impecável e que eu tinha comprado numa loja de roupas em segunda mão num shoping que já nem deve existir, dum tipo que ia buscar roupas usadas à Holanda. Uma sombra preta nos olhos e umas plumas pretas bem divertidas para dar um toque final. Todo o grupo ia mais ou menos dentro do género ousado, divertido, anos 60 re-inventado, polémico e vestido para matar. Isto quando um deles não se lembrava de ir com um penteado enfeitado com cascas de laranja presas com ganchos muito fininhos e polvilhadas de purpurina. Estávamos já todos quase prontos, quando começámos a jantar e alguém disse: “A Assunção não se está a sentir bem!” Eu fui a correr fazer um chá e pedi à Patrícia, a mulata mais maluca que conheci até hoje e que quando um professor lhe perguntou pelas suas origens ela respondeu que vivia na rua da Torrinha, para ir buscar uma água das pedras. Ou melhor “umas águas” como se diz no Porto. Não sei porque mas água pede-se sempre no plural. Foi quando me apercebi que alguém tinha tido a triste ideia de dar um banho e água fria à Assunção para ele acordar mas que apenas a fez entrar em coma alcoólico. “Para que é que tu foste afogar em Whisky, a miúda, se ela nem está habituada a beber?” Enquanto alguém discutia com o Luís por lhe te dado tanto Whisky sem ela comer nada, pois tinha passado a tarde toda a beber e já não comia desde a hora de almoço, e alguém que o acusava de se querer aproveitar dela, eu a Teresa decidimos eu tínhamos de fazer alguma coisa. Não havia telefone lá em casa, assim que corremos até à primeira cabine telefónica que aceitasse moedas, que era algo raro de encontrar nesta cidade, parece que além dos arrumadores de carros á ninguém usa moedas, só cartões. A meio do caminho encontramos a Mónica e a Sara que vieram conosco. Então lá foi a Assunção de emergência na Ambulância vestida apenas com um roupão meu azul que era do meu pai dos anos 60. Claro que fomos acompanha-la até ao Hospital. Só quando lá chegámos e nos deparámos com os pais dela é que nos apercebemos que eles estavam preocupadíssimos pois a essa hora a Assunção era suposto já estar em casa, e não tinham noticias dela desde as sete da manhã, quando saiu de casa. Apercebemo-nos também que nos olhavam como se fossemos uns criminosos e não percebíamos porquê, afinal ninguém tinha afogado propositadamente a Assunção. Ela foi escorregando e aventurando-se e quando se deu conta á há muito que tinha perdido o pé e não conseguia voltar sozinha à terra. Mas realmente ela era a única que se encontrava naquele estado. Depois é que demos conta que nos olhavam também como se fossemos uns extraterrestres, porque de facto não é muito usual ver nas urgências dum Hospital uma trupe vestida a rigor para escandalizar mais uma noite na pista. Ela só gritava pelo meu nome mas a enfermeira não me deixava passar para a ir ver, não sei e era por causa da t-shirt transparente ou por causa das plumas pretas, mas percebi logo que a enfermeira não percebia nada de moda. Lá vimos a Assunção entrar no carro dos pais com o meu roupão azul que era do meu pai, e mal nos conseguimos despedir dela. Afinal não estava a ser uma grande noite, tudo porque o Luís, que não tinha nada para fazer à tarde, decidiu afogar a Assunção em Whisky. Para não desperdiçarmos os visuais, que nos deram tanto trabalho a fazer, decidimos não matar e noite, porque afinal a afogada tinha sido salva, e fomos todos atirar os casacos na pista do Swing até de madrugada. Nessa semana, a Assunção devolveu-me o roupão, mas nunca mais foi a mesma conosco. Agora mal nos fala e nem quer saber de saídas à noite. Parece que ficou traumatizada do afogamento.

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