19.7.09

O TEU OLHAR



Quando te conheci, olhei para ti, e tu olhaste para mim. Eu vi-te, mas hoje percebo que tu não me viste. Pelo menos não me viste da mesma maneira que eu te vi a ti. Mas viste algo que eu não vi. Viste a minha luz por dentro. Viste-me a mim. Como naquela noite em que passeámos juntos naquela praia. Viste-me a mim. E eu não me via. Mas tu ensinaste-me a olhar para mim. Ensinaste-me a gostar de mim, ensinaste-me a ver-me. E hoje vejo-me. Vejo-me porque tu me ensinaste a ver. E eu vi-te como alguém perfeito cuja calma e o sorriso declaram sempre paz. E eu vi-te com os olhos mais doces que eu já conheci. E eu vi-te com o olhar mais terno. E eu não sabia que tu não vias o mesmo que eu. Estávamos a ouvir aquela música da Bjork e eu pensei: “e se tu um dia deixares de ver completamente?” E não me respondi. Não sabia o que responder. O que se responde? Quando te conheci, olhei para ti, e tu olhaste para mim. Eu vi-te, mas hoje percebo que tu não me viste. Viste uma imagem desfocada. Olho para os teus olhos e parecem-me tão vivos, tão cheios de brilho. Olho para os teus olhos e vejo-os tão iguais aos meus. Não vejo qualquer diferença. Os teus olhos são iguais aos meus. A mesma cor, o mesmo brilho. Como podem não ver o mesmo? Não consigo imaginar o que estejas a ver. Não imagino sequer o que seja olhares para mim e veres a minha imagem desfocada. Às vezes tapo os meus olhos para imaginar o que tu vês. Mas não é a mesma coisa. Porque quando eu quiser posso voltar a destapá-los, e tu não. Porque se eu quiser posso focar a imagem que vejo. E tu não. Quando os meus olhos olham os teus olhos, eu vejo-te a ti e talvez tu não me consigas ver a mim. Quando te conheci, olhei para ti, e tu olhaste para mim. Eu vi-te, mas hoje percebo que tu um dia poderás não me ver. Tenho medo que um dia não possa dizer: “ vês, ali, aquela árvore tão grande!” porque nessa altura poderás não ver, e o “grande” será relativo à memória que ainda guardas de dimensão. Tenho tanto medo que um dia abras a janela e não vejas o sol. E que nesse dia seja noite para sempre. Mas eu vou acender-te a luz tal como tu um dia acendeste a minha. Porque eu estarei lá, contigo. Mesmo que um dia para ti seja escuro, eu estarei lá. Descrevo-te as pessoas a passar, a roupa delas, um menino que deixou cair o gelado, o velhote que vende cautelas, a rapariga que passeia o cão, o rapaz que pede um cigarro e uma moeda. E ouves todos estes sons. E o teu mundo será feito de sons. E será feito também da minha voz. Porque a minha voz estará lá sempre. Mesmo que um dia seja escuro, a minha voz está lá. A minha voz será os teus olhos. E os meus olhos serão os teus olhos. E se tu um dia deixares de ver, eu vejo por ti. Tal como no início tu viste por mim. Tu que vês tão mal ensinaste-me a ver tão bem. Como é que alguém que vê tão mal pode ensinar alguém a ver tão bem? Talvez seja esse o teu dom. O dom de ver, mas por dentro. Talvez seja isso. Viste a minha imagem desfocada, e isso fez-te olhar para dentro de mim e não te prenderes apenas a uma imagem. Porque afinal trata-se apenas de uma imagem. E agora percebo que tu vês muito mais com um olho do que as outras pessoas vêem com dois. Agora eu sei que não irás nunca precisar que eu te descreva as pessoas a passar e o barulho das árvores, e o som da chuva, porque tu vês muito mais do que eu. Vou deixar de ter medo que tu um dia deixes de ver. Porque eu sei que aquilo que tu vês, ninguém vê. E vou deixar de ter medo que um dia quando os teus olhos olharem os meus já não os vejam, porque eu sei que tu conheces a cor dos meus olhos, o brilho deles, e conheces de cor a maneira como os meus olhos olham os teus. Quando te conheci, olhei para ti, e tu olhaste para mim. Eu vi-te, mas hoje percebo o teu olhar.

(ao meu chocolatinho)

escrito a 29.07.2007

19 comentários:

Anónimo disse...

É a visão e a maneira como vemos que nos define. Seja a visão através da vista, do som ou do toque, são inúmeras as maneiras de ver algo. Ver bem não significa contudo ver melhor!

Abraço

Marco Fav disse...

Eu evito de olhar nos olhos dos outros - há almas que prefiro não ver. E, se alguém visse a minha, elouquecia! LOL

Martinha disse...

Um olhar tocante, pelo q li. :)
Beijo *

Dhyana disse...

Diria que tens um amigo para "quase" toda a vida. Porque nada é para sempre.
Não tenhas medo que do és e o que os outros possam ver, se fores tu mesmo, alguns não gostarão mas, os que gostarem e realmente virem, gostarão de verdade. Eu nunca te vi, só li e gosto.
Beijos...

Nini disse...

A alma ver melhor do que os outros, temos que aprender a ver com a alma.
Gostei de ver e de ler ;)

VIAJANTE DO MAR disse...

Um Olhar é tudo!
Liberta-nos de espasmos que se acomodam nos nossos corpos...


Abraços

Unknown disse...

Acho que consigo compreender o teu texto e acho que são poucas as pessoas que conseguem ver da maneira que aqui descreves. Não tenhas nunca medo que alguém deixe de ver. Quando esse dia chegar é porque tb uma aprendizagem acabou e outra deve começar. O importante é nunca deixar de retirar o que cada "olhar" tem para nos ensinar... e a dor que temos quando um olhar se fecha é sempre recompensada quando um novo olhar começa...

Nuno Gonçalo disse...

Vale a pena comentar?
Vale, claro...
Mas não dá...~
Parabéns!

platypus disse...

Com a felicidade acontece o mesmo que com a verdade: não se possui, mas está-se nela.
Aqui está se num olhar.
adorei.
beijo.

Conguitos disse...

O problema é a mesmo a forma como nos veem e como vemos e transformamos em caracteristica so que vemos. ... Pedro espero pela foto. beijinhos e bom restod e semana

Plum disse...

Ver....para além da simples visão***

LoiS disse...

O ver com os olhos torna-se muito relativo muitas das vezes e este teu texto assim o confirma. Todos os outros sentidos são superiores na visão, muitas das vezes mesmo fundamentais!

A leitura de um sentimento, de uma pessoa, de uma situação, nos dotados, não carece de olhos que vejam, mas sim de uma alma que sinta!

Abraço amigo,
LoiS

Nitinh@ disse...

Antes de mais quero te dar os parabéns pela forma exuberantemente deliciosa como descreves tudo o que ves, ouves e sentes, o que me fascina imenso já que também sou um pouco assim, apesar de ainda ser novinha e estar um bocado 'verde'. Conheço esse sentimento de sem saber para onde ir que descreves. E é tão bom quando uma pessoa aparece em nossa frente e vai desmitificando tudo o que para nós parecia oculto, mas que á medida que vai aparecendo nos parece tão mais simples e claro. Parece que nos encontramos de novo ou mesmo pela primeira vez como um passe de mágica. É tão bom que a pessoa que está ao nosso lado saiba tudo o que nós somos e tudo o que nós sentimos sem ser preciso dizer nada, basta um olhar, basta mesmo um arrepiante toque para que tudo se perceba.

Beijos e parabéns pelo blog.
Se tiver tempo passe no meu, apreciaria muito a sua visita.

jorgeferrorosa disse...

Espaço muito interessante. Gostei imenso do que por aqui vi.
Abraço da Alma

Anónimo disse...

Muito bom o blog. Vou ja add ao meu ;)

Hugz

Hugo Filipe Nunes disse...

Não consigo comentar pp. Simplesmente não consigo...

Anónimo disse...

Primeiro uma fluência de palavras simples faz render a guarda de quem vinha distraído.. Depois um embalo suave de prespectivas, como quem é toda a gente por um instante que seja.. Finalmente o duelo transforma-se numa dança de cores que a palavra imagem impõe ao amortecimento das emoções na alma agora em silêncio.. Por isso não se consegue comentar este texto..

Pralaya disse...

Realmente muitas vezes basta o primeiro olhar...

aquelabruxa disse...

"You haven't met yourself yet. But, the advantage to meeting others in the meantime is that one of them may present you to yourself."
in waking life, by richard linklater
tá bonito o teu texto!