Durmo numa cama enorme. Uma cama apenas com um corpo é uma cama vazia. Desde criança que durmo numa cama grande. Era adolescente e imaginava-me a dormir acompanhado. Imagino ali um outro corpo. Imagino o espaço que ocupa. Imagino abraçar esse corpo. Imagino o seu rosto. Na minha imaginação dormir acompanhado seria tão perfeito, que as duas pessoas estariam toda a noite aos beijos, olhando o rosto um do outro. Mas na minha imaginação faltava o pormenor do dia seguinte. Uma noite sem dormir implica um dia seguinte e todas as consequências de trabalhar à base de cafeína numa tentativa de me manter acordado. Na minha imaginação os dois rostos estariam virados um para o outro, sempre na comunhão e certeza da presença um do outro. No entanto, na minha imaginação faltava o pormenor da respiração. Dois rostos virados um para o outro, faz-me faltar o ar. Começo a ficar ofegante, numa tentativa árdua de beber algum oxigénio. Então na minha imaginação um dos corpos estaria de costas, porém estaríamos abraçados toda a noite. Mas na minha imaginação faltava o pormenor da temperatura. A meio da noite temos de retirar um cobertor, a manta. Seguidamente os lençóis serão também retirados tal como os pijamas que estão ensopados. O que a meio da madrugada origina a imagem de dois corpos a tremer de frio. Na minha imaginação, dois corpos abraçados seria a perfeição do aconchego. Porém na minha imaginação faltava o pequeno pormenor físico da posição em si, mais propriamente: o braço. Existe um braço que efectivamente abraça o outro corpo. No meu caso é o esquerdo. E o outro? O que se faz com o braço direito? Fica por baixo do outro corpo, sendo completamente esmagado e acordar dormente a meio na noite? Coloca-se por cima correndo o risco de cair na cara da pessoa? O que se faz com o braço direito? Então a minha imaginação de dormir acompanhado começa a ficar agravada com imagens de cabelos na minha cara, um ressonar que levemente entra no meu ouvido até me fazer acordar e adoptar a técnica do encontrão. Ranger de dentes. Empurrões. Cair da cama. A imaginação de dormir abraçado torna-se num verdadeiro pesadelo sem conseguir pregar olho toda a noite. Esqueço completamente toda a minha imaginação e aceito e declaro que é de facto completamente impossível dormir acompanhado. E um dia conheço-te a ti. E um dia sem imaginação, sem programar ou pensar e analisar posições abraço-me a ti e dormimos todas as noites abraçados. O que faltava na minha imaginação era o pormenor do ritual do beijo de boa noite e desta sensação de partilha do teu corpo com o meu corpo. Hoje sei que dormir abraçado não é imaginação e até hoje o meu braço direito nunca se queixou. Mas hoje tu não estás. O teu corpo abandonou a minha cama. Esta cama tornou-se fria, sem ar. O meu braço direito sente-se perdido à tua procura num escuro vazio. Hoje, continuo a dormir numa cama enorme. Mas uma cama apenas com um corpo é uma cama vazia.
27.7.09
PEDRO A DORMIR ACOMPANHADO
Durmo numa cama enorme. Uma cama apenas com um corpo é uma cama vazia. Desde criança que durmo numa cama grande. Era adolescente e imaginava-me a dormir acompanhado. Imagino ali um outro corpo. Imagino o espaço que ocupa. Imagino abraçar esse corpo. Imagino o seu rosto. Na minha imaginação dormir acompanhado seria tão perfeito, que as duas pessoas estariam toda a noite aos beijos, olhando o rosto um do outro. Mas na minha imaginação faltava o pormenor do dia seguinte. Uma noite sem dormir implica um dia seguinte e todas as consequências de trabalhar à base de cafeína numa tentativa de me manter acordado. Na minha imaginação os dois rostos estariam virados um para o outro, sempre na comunhão e certeza da presença um do outro. No entanto, na minha imaginação faltava o pormenor da respiração. Dois rostos virados um para o outro, faz-me faltar o ar. Começo a ficar ofegante, numa tentativa árdua de beber algum oxigénio. Então na minha imaginação um dos corpos estaria de costas, porém estaríamos abraçados toda a noite. Mas na minha imaginação faltava o pormenor da temperatura. A meio da noite temos de retirar um cobertor, a manta. Seguidamente os lençóis serão também retirados tal como os pijamas que estão ensopados. O que a meio da madrugada origina a imagem de dois corpos a tremer de frio. Na minha imaginação, dois corpos abraçados seria a perfeição do aconchego. Porém na minha imaginação faltava o pequeno pormenor físico da posição em si, mais propriamente: o braço. Existe um braço que efectivamente abraça o outro corpo. No meu caso é o esquerdo. E o outro? O que se faz com o braço direito? Fica por baixo do outro corpo, sendo completamente esmagado e acordar dormente a meio na noite? Coloca-se por cima correndo o risco de cair na cara da pessoa? O que se faz com o braço direito? Então a minha imaginação de dormir acompanhado começa a ficar agravada com imagens de cabelos na minha cara, um ressonar que levemente entra no meu ouvido até me fazer acordar e adoptar a técnica do encontrão. Ranger de dentes. Empurrões. Cair da cama. A imaginação de dormir abraçado torna-se num verdadeiro pesadelo sem conseguir pregar olho toda a noite. Esqueço completamente toda a minha imaginação e aceito e declaro que é de facto completamente impossível dormir acompanhado. E um dia conheço-te a ti. E um dia sem imaginação, sem programar ou pensar e analisar posições abraço-me a ti e dormimos todas as noites abraçados. O que faltava na minha imaginação era o pormenor do ritual do beijo de boa noite e desta sensação de partilha do teu corpo com o meu corpo. Hoje sei que dormir abraçado não é imaginação e até hoje o meu braço direito nunca se queixou. Mas hoje tu não estás. O teu corpo abandonou a minha cama. Esta cama tornou-se fria, sem ar. O meu braço direito sente-se perdido à tua procura num escuro vazio. Hoje, continuo a dormir numa cama enorme. Mas uma cama apenas com um corpo é uma cama vazia.
26.7.09
PEDRO, O COMBOIO E AS PERNAS DA SENHORA
25.7.09
PEDRO E A NOSSA NOITE DE NATAL COM OS BOMBEIROS
24.7.09
PEDRO E UM PEIXE CHAMADO VANDA
23.7.09
PEDRO E DESARRUMAÇÃO COMPANHEIRA
22.7.09
E ENTÃO? QUERES NAMORAR COMIGO?
Foi há um ano atrás que tudo aconteceu. Claro que este dia já era muito especial para nós, tal como para todas as pessoas que se gostam. Mas para nós era mais. Porque somos os dois muito românticos, e ligamos a estes dias que as pessoas inventam para receberem presentes e que nós aproveitamos para nos olharmos com um sorriso cúmplice que só nós sabemos o que quer dizer. E também só nós, é que sabíamos o que queria dizer a tatuagem provisória em forma de carácter chinês, que fizemos nesse dia à tarde no tornozelo, tu no esquerdo e eu no direito. É quase meia-noite quando a caminho da praia te ofereço as nossas pulseiras em forma de algema. Eu coloco-te uma e tu fazes-me o mesmo. Sabemos que estarmos juntos não é uma prisão, mas algemamo-nos um ao outro como símbolo de união, e assim também sabemos, que cada vez que olharmos o pulso, do outro lado existe alguém muito especial que encaixa perfeitamente na ranhura desta algema. Ofereces-me um bouquet de flores, que não é um bouquet de flores, mas de uns bombons com o sabor do teu sorriso e do teu olhar de criança doce. Doce e misterioso, consegues guardar e esconder nesse olhar, tão bem as surpresas, que por momentos pensava eu que não tinhas nada para me oferecer, e afinal não sabia mesmo o que me esperava. Escolhemos uma duna num canto na noite, eu estendo o cobertor vermelho, deitamo-nos a ouvir as estrelas e a ver o barulho do mar nas nossas bocas e percebo que naquela se fez magia. Alguém tinha estado ali antes de nós, tenho a certeza, e tinha pintado aquelas estrelas, e a areia e o mar, e pintou-te a ti também, pois era tudo tão perfeito, que temi que este romance não fosse real. Mas o que eu não sabia é que o pintor tinha mais uma tela, e te pintou um embrulho que me dás para a mão e dizes: isso não é para ti, é para nós usarmos. E desembrulho dois flutes vermelhos em vidro tosco, e vejo surgir da paleta uma garrafa de Moe Chandom. Não digo nada. Ficamos nos olhos um do outro a brindar aquela noite, e quase que me esqueço do bouquet. Esse bouquet que não é de flores. Esse chocolate que te ponho na boca, é feito da magia desta noite, e este que derrete na minha, és tu, chocolatinho. E se eu desenhasse uma música, esta noite, as notas eram as estrelas que saltitavam a cada onda do mar e se afundavam na areia para desaparecerem no Champanhe, num refrão de chocolate. E em arrepios de frio, abraçamo-nos, fechamos os olhos escondidos neste cobertor e quase que conseguimos ouvir essa musica. E também ouvimos a voz do homem que aparece não sabemos muito bem de onde e que admirado de nos ver ali, aquela hora a comer bombons e a beber champanhe, e sem perceber nada nos pergunta qualquer coisa que também nós não percebemos, mas respondemos-lhe que não, e que deve ser muito longe dali. E não sabia eu, que muito longe dali havia mais surpresas, uma janela em postal onde vejo esse coração vermelho que espanta todos os espíritos à janela do meu quarto, depois de um ano. E antes do frio apertar, e o teu corpo começar também a arrefecer e já não conseguir aquecer o meu, e antes de irmos pendurar o coração, fecho os olhos, ouço o mar, vejo as estrelas, sinto a tua mão, e sei que sou feliz. Tu olhas-me entre dois bombons e perguntas-me: e então, queres namorar comigo? E eu beijo-te que sim. Que sim. Sim. O que esperavas que te respondesse? O que é que se responde quando se está deitado na praia à meia-noite do dia de São Valentim, a ouvir o mar, a ver as estrelas, a comer bombons de chocolate e a beber Moe Chandom? Se te dissesse que não, no mínimo deixavas-me ali na praia deserta ao frio, pegavas no carro e ias-te embora para sempre. Mas para sempre quero eu ficar contigo, e vamos no bom caminho porque já estamos juntos à um ano e a tua rosa está em água para não desmanchar o arranjo, o poema no postal, os chocolates da Godiva no saco, e o restaurante à nossa espera. E quando for quase meia-noite deste ano, vou-te dizer que sim, que então, ainda quero namorar contigo.
20.7.09
MILKA, A VACA QUE DÁ CHOCOLATES!
Assim que acordei, pus na aparelhagem o primeiro cd da Madonna de 1982 com a música HOLIDAY, bem alto. Toda a vizinhança tem de saber que estou de férias! Estou feliz e gosto de partilhar a minha felicidade! Fomos comprar umas t-shirts à última da hora. Tu, porque disseste que precisavas MESMO de umas t-shirts, e eu, aproveitei a onda e comprei não-sei-quantas! Estavas na fila para pagar e fui ter contigo, colocando no balcão as minhas mais recentes não-sei-quantas t-shirts. O funcionário olha para ti muito sério:
“tá?”
“Está!”
“Sim, podes ir tu à janela!”
Comigo tu podes fazer tudo aquilo que quiseres. Até podes ir deitado no meu colo o voo todo se o quiseres. É tão bom poder viajar contigo. Sei dentro de mim que esta é apenas a primeira de muitas viagens que faremos juntos. Vamos conhecer a Madeira toda. Queríamos ir também a Porto Santo, mas fica para o ano que vem! Dou-te a mão, olho para as nuvens e umas horas depois estamos no nosso quarto com vista para o mar azul. Azul como a Milka, a vaca que nos dá chocolates. Compro-te chocolates, e compramos bilhetes de avião, e t-shirts absurdas, e um jantar caríssimo na Marina do Funchal, porque na primeira noite estamos perdidos e não conhecemos nada. Mas não me importo de parecer um típico gastador compulsivo de férias, porque estou contigo, estou feliz e nós merecemos tudo. Lembraste? Foi há um ano atrás? Hoje estamos novamente de férias e cumprindo a promessa, vamos apanhar o avião para Porto Santo! Achas que a Milka, a vaca que dá chocolates está à nossa espera no aeroporto?
19.7.09
O TEU OLHAR
THE BEAUTY AND THE DATE
Hoje vamos oficialmente sair juntos. Quer dizer, não será bem oficialmente, porque será às escondidas, e ele não sabe. Mas será a nossa primeira saída a sério, juntos. É o nosso primeiro verdadeiro encontro, mas às escondidas. Como os americanos dizem “a date”. Tonight I haver a date. Dei-te a certeza de que ia ter contigo às 20h, de maneira que é melhor despachar-me, não quero chegar “leite” ao date! Já desliguei o telemóvel, e na ponta da língua está já colada “Fiquei sem bateria, e adormeci no sofá, a ver televisão!” para quando ele amanha me fizer o interrogatório diário. Mas eu não quero saber dele, nem dos interrogatórios, nem das prisões. Talvez se ele não me tivesse prendido tanto, eu hoje não tinha tanta necessidade de fugir. Fujo até ao Chiado à procura de alguém que me salve de tudo isto, e sobretudo de dele. O sobretudo, continua preto, deve ser tradição, mas hoje é a minha vez. Não tão comprido como o teu, mas com uma vontade imensa de te ver depois deste tempo todo. Combinamos na estátua do Camões, às 20h. E exactamente à hora marcada, estou literalmente em pé no último degrau da estátua. Vejo-te ao longe. Lindo. Caminhas, numa elegância aparentemente calma. Mas só aparente, pois os teus olhos vibram e espelham um forte abraço, de quem quer esmagar o meu corpo contra o teu, e permanecermos assim toda a noite, fundidos um no outro, a fingirmos que a realidade não existe e que tudo nos é permitido. O teu sorriso pinta-te a cara de todas as cores e quase te faz voar até à estátua e pegar na minha mão. E eu penso, quero que todos os nossos encontros sejam tão mágicos como este nosso primeiro encontro. Olhamo-nos. Ficamos parados a olharmo-nos com cara de parvos e a sorrir. Levas-me a um restaurante Indiano, ali no Bairro Alto, e sentados num tinto óptimo, começamos como que a falar. Provavelmente devemos estar a falar, as nossas bocas mexem-se, temos quase a certeza que por cima da Chiken Masala ecoa um som, acompanhado ao ritmo da gesticulação das nossas mãos. Mas os nossos olhos fundem-se. Cruzam-se e faíscam. Existe uma luz, um brilho tão intenso que daria para iluminar toda a cidade. Parece que alguém faz uma semana depois a árvore de Natal, mas que coloca a estrela no topo da nossa mesa. E uma semana depois da consoada, este jantar é o nosso presente de Natal. Não sabemos os que dizemos. Parece que é a primeira vez que estamos juntos e soltamos em liberdade palavras e frases nem nexo, mas que preenchem a mesa do jantar. Estarmos aqui, finalmente juntos, já tem nexo suficiente, as palavras não importam. O sentido somos nós e os nossos olhos, que de seguida vão olhar o écran de cinema num escuro aconchegante. Mas antes levas-me a tua casa. É no teu sofá cor-de-laranja que finalmente nos abraçamos e damos o nosso tão esperado beijo. Adorei conhecer a tua casa. Adorei estar nos teus braços, nesse sofá que ainda há-de marcar as nossas vidas. Continuamos sentados, mas agora não estamos abraçados, mas é como se estivéssemos. É um filme com a Sarah Jessica Parker, que nos faz rir das mesmas piadas, soltar uma lágrima contida e envergonhada, e apertar as mãos um do outro, como se nunca mais nos quiséssemos largar. Talvez a magia desta noite esteja na efemeridade de tudo isto, e vivemos cada segundo como se fosse o último, pois tememos não nos voltarmos a ver, ou pelo menos desconhecemos a data de um próximo date. Estar contigo no cinema, e ambos somos apaixonados por cinema, deitar a cabeça no teu ombro, dar-te a mão, olhar para ti de soslaio numa cena mais calma ou mais escura, ouvir a tua gargalhada colar-se à minha, sentir a tua mão apertar a minha com mais força numa cena mais romântica, parece tudo tão perfeito, que não consigo distinguir se sou eu que estou no cinema, ou se é a Sarah Jessica Parker que está aqui sentada a ver um filme de um sonho perfeito num écran apaixonado de duas pessoas que temem não voltarem a verem-se. Levas-me a casa. Estacionas do outro lado do prédio. O silencio penumbra o teu carro. A hora da despedida é sempre a mais cruel do relógio. O nosso até já, pode tornar-se num até sempre e um medo terrível invade-nos. As minhas lágrimas dizem-te que te quero muito, mas não desta maneira proibida, às escondidas. Ainda me sinto numa prisão, e é preciso primeiro libertar-me dela para poder deitar-me finalmente no teu peito e adormecer, sem sentir culpa. Tu entendes. Tu entendes sempre tudo. Foste tu que criaste a compreensão. Entro em casa e só penso em ti. Penso que quando eu menos esperava, o sonho de criança se materializou em ti e nesta noite. És tu a imagem dos meus sonhos e criações imaginárias de adolescente. Mas será no tempo errado? Ou não existirá erro, e o sentido de tudo isto, é causa-efeito, ou depois da tempestade vem a bonança, e é preciso um príncipe para nos mostrar que nos podemos libertar das garras de um beast do alto da masmorra, para que beauty posso viver o grande amor da minha vida, que és tu?
O LUAR, O MAR E NÓS
(ao meu chocolatinho)
18.7.09
NUM ALGODÃO DOCE COR-DE-LARANJA
17.7.09
NUM GRANDE CENARIO DE PAPELAO
Um dia acordas de manhã e percebes que perdeste tudo. Perdeste o comboio, perdeste as horas, perdeste o tempo, perdeste a tua vida, perdeste os teus sonhos, perdeste até a única e grande oportunidade de seres feliz. E perdeste o amor. É de manhã mas é como se fosse noite. O sol já não existe e não tem qualquer importância. Olhas para a janela e é como se tivesse sido invadida por uma cor estranha que não consegues decifrar e que talvez nem sequer exista. Porque lá fora já não existe nada. Essa janela de que falas, é apenas cenário de cartão, numa parede falsa que te mostra uma fotografia mal tirada daquilo que tu sonhaste que poderia ser a realidade. Pensas que nem sequer vale a pena levantares-te do sítio onde estás e tentares tocar-lhe porque vais cair num vazio mais profundo do que aquele onde estás. Então não te mexas. Não faças absolutamente nada. Se é nisso em que acreditas, fica nesse buraco absurdo que tu construíste e de onde já não te consegues levantar e não faças nada. Já nem sequer existe nada a fazer porque as tuas pernas também não se querem mexer. Talvez nem sequer sejam pernas. Talvez sejam pedaços de um manequim de roupa em exposição com restos de uma colecção passada em cheiros de naftalina e suor, carcomidos por bichos e pelo tempo. E apercebes-te que a realidade, afinal não existe. Tudo não passa de um grande cenário mal construído. E até tu talvez não estejas aí. E agora? Essa crucial pergunta que separa o passado do futuro e tenta por em causa um presente. E agora? Levantas-te e tentas rasgar o cenário e caminhar até encontrares uma pedra por mais pequena e sozinha que seja, para começares a construir uma realidade. E se nunca chegares a encontrar uma pedra? A estrada dos tijolos amarelos foi pintada noutro sítio. E se não existirem pedras? E se essa estrada não existir? E se não existir nada? E se de facto já nada for possível? A Dorothy estava apenas a sonhar ou tinha tomado demasiados calmantes. Então deixa-te estar para aí deitado nesse buraco que tu construíste ou que algum cenógrafo construiu para ti. Porque até esse buraco vai desaparecer um dia. Porque o papel desfaz-se. Tudo se desfaz e se torna num imenso nada. E aí, vais tentar olhar essa janela da fotografia com uma cor que não consegues decifrar, e já não existirá janela. Já não existirá nada. Todo o cenário foi convertido em pó. E um dia apercebes-te que é tarde demais. Que tudo acabou. Que até o cenário falso se desfez e foi transformado num outro cenário para outros personagens. Porque tudo é cíclico. E voltamos sempre ao mesmo. Mas a mesma cena não é filmada duas vezes. Aproveita o cenário enquanto o tens, pois depois de dizerem: “corta” acabou a tua cena, a tua oportunidade e nem sequer resta a esperança de tornar esse cenário realidade, como que por um golpe de magia ou por trabalho árduo de esperança e luta. Vais continuar aí deitado? Ainda aí estás? Esperas o quê? Um sinal? Que te toquem à campainha e te digam: cheguei, sou eu, a realidade! Vim-te buscar! Então deixa-te aí estar à espera. Quando a campaínha ensurdecer ou tu próprio entrares num estado de decomposição zombie, já nada terá importância. Mas o que fazer? E agora? Outra vez essa pergunta? Essa pergunta, para a qual desconheço resposta, caso contrario não estaria aqui. E agora? E agora só tens de decidir se queres continuar nesse buraco ou se ainda te resta uma esperança de tentar demover esse cenário de papelão mal construído, e tentares primeiro derruba-lo e segundo, ir devagarinho encontrando pedras verdadeiras, amarelas ou de uma outra cor qualquer, que a pouco e pouco o transformem na realidade que sempre sonhaste para ti. E se nunca chegares a conseguir, pelo menos tentaste. Não te esqueças disso. Nem que morras a tentar. Segue o meu conselho. Talvez o comboio ainda passe outra vez. E quando entrares iras perceber que afinal era o teu relógio que estava mal sincronizado. E lá ao fundo estará alguém com uma caixa-surpresa para ti. A caixa dos teus sonhos. E essa caixa não será de papelão, nem será apenas um adereço. Será a possibilidade de seres feliz de verdade. E agora? Só te resta tentar.
CONICA DO GRILO E DA AREIA
Quando me levantei sentia que o chão me estava a fugir dos pés. Como se a cada passo que desse sentisse o solo a tremer, prevendo a qualquer momento que a madeira toda estalasse e todo o prédio desabasse mesmo ali diante dos meus pés. É a mesma sensação de que quando tentamos agarrar areia com as mãos. É impossível. Ela esvai-se. Existem coisas assim na vida. Que são como areia. Queremos agarrá-las, mas não é possível. E parece que por mais que tentemos ou arranjemos soluções e estratagemas para que fiquem na nossa mão, vemo-las escorregar por entre os dedos. Assim são as relações. Às vezes parece que a única maneira que temos de as segurar é pegar numa pequena caixinha e guardar a areia lá dentro. Mas isso seria prender uma relação à nossa disponibilidade, à nossa vontade. Seria como prender um grilo numa caixinha de fósforos. Quantas vezes em criança não guardámos grilos em pequenas caixas de fósforos coloridas, e sem percebermos porquê um dia abrimos a caixa e o grilo não está lá? Não entendemos porquê. Porque temos a certeza que fizemos tudo o que podíamos, o que devíamos, e que o fizemos bem feito, mas o grilo arranjou uma maneira de nos escapar. Porque o grilo não nos pertencia, nem nos queria pertencer. Todas as pessoas são livres, mesmo aquelas que prescindem da sua própria liberdade. Um dia vão reclamá-la. E quando confrontadas com a falta dela, apenas um objectivo de se torna como meta: o de se libertarem. Podemos esperar que o grilo volte. Podemos por uma canção perto da caixa, uma luz de uma vela, prometer-lhe que a caixa vai ficar sempre aberta e que não vai ficar aprisionado a nós, mas com a escolha de entrar e sair pela sua vontade. Podemos fazer tudo. Mas também temos de aceitar que um dia a caixa pode ficar vazia para sempre. E não vale a pena substituir o grilo, porque tal como tudo e como todos, os grilos são insubstituíveis. Então o que faz o chão ganhar novamente estabilidade para se caminhar? A esperança? A honestidade? A pureza de sentimentos? Não esperar nada e aceitar simplesmente as dádivas da vida e do amor? E às vezes percebemos que afinal era tão simples. Estava mesmo ali ao lado e não nos demos conta. Olhamos a nossa mão e ficaram perdidos alguns grãos de areia. A areia afinal não escorregou toda. Alguns grãos ficaram na nossa mão e esses são preciosos. Ficaram porque queriam ficar. Ficaram porque tinham de ficar. E quando nos apercebemos que afinal temos nas mãos uma preciosidade é importante cuidá-la, porque as preciosidades são raras e devem ser cuidadas como uma borboleta, como um malmequer ou como uma música. E se cuidarmos, e não pedirmos nada, numa entrega absoluta de silêncio e dedicação, percebemos que por mais que lavemos as mãos, encontramos sempre um grão de areia colado. Aí podemos abrir a janela e ver que a borboleta se passeia pela nossa janela enquanto as pétalas do malmequer sorriem para o sol ao som da música. Claro que tudo isto dá muito trabalho. Mas nada se faz com muito esforço e as certezas absolutas não existem, muito menos a curto prazo. Mas se eu não te pedir nada em troca, se te der num silêncio puro de esperança, se te trouxer a água e o sol, se te prometer que nem sequer haverá caixa, porque o teu espaço no meu coração é do tamanho que tu quiseres ocupar, ficas comigo? E um dia, como que por magia, a areia que estava nas nossas mãos, e que tinha acabado de escorregar, volta a subir novamente. E nesse dia de milagre da natureza, sabemos que podemos caminhar novamente sem temer o próximo passo, pois sabemos que percorremos um caminho sólido sustentado pelo amor.
16.7.09
A NOSSA REDE CORDELARANJA
Está um passarinho mesmo na minha janela a cantar. As janelas todas abertas. Uma luz irradiante dum sol que me sorri, entra pelo quarto. Ontem atei um lenço que comprei, à tua cabeça e disseste: “É assim que eu me imagino! Numa cabana, com um lenço!” Eu sei. E sonho com o dia em que possamos abandonar tudo isto e viajamos para essa praia. Não existirá nem tempo, nem horas e o mar será todo nosso. Acordamos de manhã e vemos o mar. Caminhamos à beira mar depois de eu ter feito sumo natural de laranja com maçã. Tu ensinas-me a nadar. Subo às árvores para apanhar um coco, eu que não gosto nem do cheiro do coco, mas tem de ser feito. E tu dizes com esse teu sorriso perfeito e esses olhos meigos que tu tens: “Pareces mesmo uma criança!” Pareço, e sou. E ao teu lado não tenho medo de o ser. Ao teu lado não tenho medo de nada. Nem da criança espontânea que salta aos gritos de dentro de mim, que se esquece de tudo em todo o lado, e que diz que tu estás com “gripe interna”, o que te faz rir desalmadamente. Sei que te divirto. Sei, porque tu me fazes feliz. E nessa cabana, onde tu me vais ensinar a gostar de comer peixe, deitamo-nos na rede cor de laranja, que eu ainda não consegui pendurar na nova casa, por ser demasiado pequena – o que é uma chatice pois logo eu que sempre quis ter uma rede – e adormecemos abraçados enquanto eu te canto uma canção de embalar. Pode não ser uma canção mesmo de embalar, pode até ser uma canção qualquer, escolhe tu, mas cantada ali na rede, contigo, será a mais perfeita canção de embalar. Porque o que o que dá sentido às coisas não são mesmo as coisas, mas o contexto que está à volta delas. E essa rede cor de laranja embala-nos num sono tranquilo. Eu vou deixar crescer os meus caracóis para tu dizeres “menino dos caracolinhos!” e vou oferecer-te muitas calças de linho branco. E nas árvores mesmo à volta da nossa cabana, muitos pássaros vão cantar. Vão cantar para nós. Vão cantar uma canção qualquer, qualquer que seja, não importa, porque cantada ali para nós, será uma canção perfeita numa magia paradisíaca nessa ilha de luz e cor. Não precisamos de nada, temo-nos um ao outro. Nem de cama vamos precisar, temos a nossa rede cor de laranja para dormirmos abraçados. E realmente não precisamos mesmo de muito espaço porque dormimos a noite toda colados e agarrados. Como almas gémeas. Como corpos que nunca se querem separar. Como duas crianças que caminham de mão-dada num jardim de malmequeres e amores-perfeitos e nunca querem largar as mãos. E hoje que olho esta janela pintada de uma luz que me enche o coração e me faz suspirar, penso que tenho de conseguir pendurar a rede, mesmo aqui no quarto, para podermos começar a sonhar com esses momentos na ilha o mais depressa possível. Pois acredito que quanto mais depressa sonhamos os momentos, mais rapidamente eles acontecem. E vou sonhar muitos momentos contigo. Porque me trazes paz. Quando comprei essa rede à três anos atrás, não sabia eu que era contigo que a queria dividir. Ou se calhar sabia, mas não sabia que sabia. Porque partilhar uma rede com alguém é partilhar o mundo, o amor, um pássaro que canta, ver o céu e as estrelas, sentir o embalar do vento, adormecer como numa cama de bebé, é voltar ao colo, é sorrir, é sentir paz, é ver o sol a entrar e a pintar tudo de uma luz mágica brilhante como se tudo tivesse sido pintalgado de purpurina e adquirisse o brilho das histórias de encantar. E todas as tardes e noites em que me balançava nessa outra casa, na rede, sentindo o vento fresco que vinha da varanda, sentia que um dia te ia encontrar. Vieste como esse passarinho veio cantar à minha janela. Entraste na minha vida, sorriste-me, fizeste-me sorrir, dás-me paz e alegria e sei que nunca mais te iras separar de mim. Porque o passarinho não está preso numa gaiola. Pode voar, voar por todo o lado, mas livremente volta sempre à minha janela. É essa a paz e a liberdade do nosso amor. É a liberdade do passarinho que aqui canta, sem prisões, sem obrigações, sem explicações, apenas o sonho de uma rede cor de laranja pendurada numa cabana de uma ilha regada por um mar imenso de harmonia. E quando sairmos daqui, sei que já aproveitamos o que daqui queríamos e poderemos partir. Tudo na hora certa. E nem sequer teremos que questionar essa hora, porque saberemos que é a hora certa. Existe uma hora certa para tudo. E essa hora não explica, sente-se. Tal como tu entraste na minha vida na hora certa, não vejo a hora de chegar a hora de pegar nessa rede cor de laranja e ir pendurá-la contigo nessa ilha. Achas que quando sairmos daqui em Setembro, voltamos? Ou talvez seja melhor continuarmos a sonhar abraçados juntos a ouvir este passarinho que nos canta à janela irradiada pela luz purpurinada do sol e esperarmos pela hora certa de partirmos para sermos livres, livres de tudo e sentirmos que voamos em paz e amor?
27.6.09
A MINHA CAMA
(ao meu chocolatinho)