7.9.06

A SAÍDA A ENTRADA



Essa coisa de ficares até às cinco da manhã tem de acabar Vítor. Não posso continuar a viver com um morcego. Eu deito-me por volta da meia-noite, levanto-me às seis e meia da manhã e às sete e um quarto já estou a suar no ginásio. Tenho um dia todo pela frente. Marcar reuniões, assinar contratos, persuadir os desconfiados dos clientes e todas aquelas questões femininas como tu achas a maior das graças em denominar. Sim, porque afinal uma mulher é um cabelo esticado e bem tratado, uma unha bem feita, e uns saltos novos. E enquanto isso tu fazes o quê? Dormes. Que ultimamente é a única coisa que te vejo a fazer. Parece que vivo com um ser moribundo que vive em estado de sonolência. És tu e a bela adormecida. Mas não me lembro do príncipe encantado acordar às cinco da manhã com os barulhos do Messenger. De facto os tempos mudam e parece que os papeis se invertem. Invertido já tu estás, porque nunca sabes se é de dia ou de noite e sinceramente começo realmente a reflectir se de acto vivemos juntos. Eu deito-me, tu ficas no computador. Eu levanto-me, tu acabas de te deitar. Eu vou a casa a meio da tarde, tu acabaste de acordar e vais passear com os teus amigos. Eu chego a casa para jantar, tu já estás no computador outra vez. Sei que vives aqui em casa porque me deparo com alguns vestígios da tua existência. Vejo as tuas dedadas no teclado do écran ou porque a guerra de roupa em cima da tua cadeira vai aumentando. Eu não vivo contigo, vivo com os teus vestígios. E tu decididamente não vives comigo. Assim que ontem decidi chamar as tropas e exterminar-te. Quando? Quando chegaste às cinco e meia da manhã do bar dos teus amigos, me ligaste e me acordaste para me dizeres que não conseguias abrir a porta, e quando te afundaste na cama ainda ligaste a televisão do quarto. Desculpa lá Vítor, mas desta vez foi demais. Passei-me. Assim que hoje quando chegares a meio da madrugada, tens as malas à porta. E já agora, acho incrível que a meio duma discussão, por falta de argumentos, porque sabes que tenho sempre razão, me digas com a cara mais deslavada que um bebé de sete meses: “Essas meias são minhas!” Pois as meias são tuas e já estão num saco junto com todas as tuas peças à porta de casa. E nem te atrevas a entrar e pedir para ficar. Tirei umas fotos das tuas malas à porta, confesso que parece uma instalação género pós contemporânea. Acho que lhe vou chamar “A saída à entrada”. Uma saída de livre e espontânea obrigação, mas uma saída. Mandei-te uma mensagem para o telemóvel com a fotografia da instalação e tu com a maior das latas respondes-me “Deixa-te lá disso, veste uma saia curta, põe um decote e anda ter conosco ao bar!” Tu deves estar a brincar concerteza. Creio que ainda não percebeste Vítor. Nós acabamos e eu estou a expulsar-te de minha casa. Acabaram-se as noites no Messenger até às cinco da manhã. Acabou-se o morcego andar a deambular por casa a meio da tarde com olheiras até ao queixo. Estou cansada de ver a tua roupa a tentar equilibrar-se naquela cadeira que mais parece um tanque de guerra. A partir de agora a cadeira vai ficar sozinha. Sozinha dormi eu esta noite, porque afinal nem sequer vieste buscar as tuas coisas. Que vergonha, o que é que os vizinhos vão pensar com toda aquela instalação à porta de casa, no meio do corredor mesmo a atrapalhar quem tenta entrar no elevador! Acho que vou trazer tudo para casa outra vez e levar para o quarto, pelo menos não atrapalha tanto. Mas vou esperar que tu apareças e que venhas buscar as tuas coisas. A não ser que me dê muita saudade. Mas estás proibido de ficar no computador até tão tarde, ouviste? Afinal eu estou na cama sozinha Vítor, tu não vês? Não vês. Mas eu vejo ali a tua cadeira vazia à espera que tu lhe atires pelo menos um par de jeans rasgados afim de criar mais uma instalação. A instalação da cadeira, do lado de dentro de nossa casa.

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