7.9.06

BOA NOITE




Chegaste a casa. Entraste a correr enquanto dizias “tenho de ir já à casa de banho”. E lá foste tu já com as calças na mão. Eu não digo nada. Fico calada à tua espera, afinal já estou à tua espera há quase duas horas, mais cinco minutos não deve fazer muita diferença. Espero-te sentada à mesa. Sirvo o teu prato e a seguir o meu. Sentas-te à mesa enquanto tiras o casaco que começa a ficar-te um pouco justo e gasto. Entornas logo dois copos de vinho tinto pela garganta deixando cair as tuas típicas gotas na camisa branca, que me dão um trabalhão a tirar. A minha mãe já me disse para experimentar tirá-las com pasta dos dentes, mas sinceramente acho ridículo desperdiçar dentífricos com sabor a menta em camisas com colarinhos gastos. Podias era gasta-los na tua boca, a ver se te passava esse hálito de quem fuma três SG filtro por dia. “O frango está frio” dizes sem tirar os olhos do prato. Nem sequer te respondo, mas claro que está frio, e como querias que estivesse quase duas horas depois de ser assado? Sim, porque podias pelo menos ter avisado que ias chegar atrasado, mas nem isso. Para variar não me dizes nada. Nunca me dizes nada. Nem “boa noite” disseste quando entraste. Custa-te muito dizer boa noite? E custava-te muito dizer que estavas atrasado? Não que adiantasse alguma coisa porque como não tive tempo de ir ao talho comprar a porcaria dos bifes, passei pelo Continente e comprei um frango assado que já vem empacotado naquelas embalagens individuais com batatas fritas. Portanto mesmo que me tivesses avisado do atraso já não ías a tempo de comer bifes, e como já começo a ficar cansada dos teus atrasos comes frango frio com batatas duras fritas à duas horas atrás. Mas não te deve estar assim a saber tão mal, porque entornas tudo pela garganta e acendes logo dois ou três cigarros antes mesmo de eu terminar de comer. O que acaba por me fazer terminar de comer, mesmo que estivesse cheia de fome, pois não suporto o cheiro dessa porcaria de cigarros. Saíste da mesa. Já saíste da mesa e já deves estar deitado na cama em boxers a fumar contra os meus lençóis brancos acabadinhos de lavar e bem que me custaram a passar a ferro. Porcaria de lençóis, agora cosem uns elásticos nos cantos, devem achar que se tornam mais práticos. Esses gajos que inventam esses lençóis com elásticos nos cantos, venham cá eles passá-los a ferro depois de um dia de trabalho que eu digo-lhes se são práticos ou não. Já estás deitado e ainda só disseste duas frases desde que chegaste. É incrível, com o passar do tempo trocas cada vez menos frases comigo. Era suposto cada vez falarmos mais um com o outro, ou contarmos segredos e sonhos, mas ao contrário, entraste e nem sequer “boa noite” disseste. E eu continuo aqui calada, a lavar a loiça, que afinal são só dois pratos, talheres e dois copos, porque as embalagens de plástico onde vinha o frango assado e as batatas fritas já foram para o lixo. E para o lixo vão qualquer dias estes cinzeiros todos que insistes em espalhar pela casa toda como se fosse algum ritual satânico. Custa-te muito pegares na porcaria do cinzeiro e levá-lo para o sítio onde estás a fumar? És tão comodista que tens de ter um cinzeiro diferente ao lado de cada sofá, mesa ou cadeira. Até ao lado da cama e no móvel da casa de banho tem de haver cinzeiros. Acredita que qualquer dia quando entrares a correr para ir a casa de banho não tens lá o teu cinzeiro ao lado da retrete, e nesse dia nem frango com batatas frias há para comer, em vez disso tens um enorme “boa noite” escrito na porta, para veres que eu existo e saberes que já não estou aqui. Mas ainda aqui estou. Chego ao quarto e já adormeceste. Adormeceste com a televisão ligada, como de costume. E já de costas voltadas para mim. Deito-me ao teu lado. Continuo calada. Afinal nem sequer sabes que estou aqui. Pergunto-me se desde que chegaste, entre frango frio e cigarros, te apercebeste que estava alguém ao teu lado, na mesma casa que tu. Alguém a quem costumavas cumprimentar com um beijo e um abraço apertado, e a quem contavas tantas novidades. E agora o teu cumprimento é a tua corrida à casa de banho, e encontrar-te de costas viradas na cama. Pelo menos podias ter dito “boa noite”, não podias?

1 comentário:

Anónimo disse...

olha nao,presta
fogo!!!!