26.5.07

O GALINHEIRO DA SORTE


Uma galinha morta no meio do chão! Isto é macumba! Isto dá azar! Lagarto, lagarto, lagarto! Ouve lá! Tu não ouves? Ai, eu não acredito, isto não me está acontecer! Eu vou sair daqui! Mas eu estou tão aflitinha! Eu ainda vou ser encontrada numa casa de banho do duma discoteca no Montijo com uma galinha morta e ainda por cima loira falsa! Sim queridinha porque essas raízes já estavam mesmo a precisar de um retoque! A tua sorte é que estás morta, porque não sei como é que tinhas coragem de sair à rua assim! Tu és corajosa! Não! Ainda há galinhas corajosas! Mas olha que se eu aparar a parte das raízes até se faz um posticinho! Mas eu tenho é que depois me desfazer do teu corpo! Deixa cá ver! Olha lá? Não tens strass ou umas coisas? Ai nem anéis nem um brinquinho, nem nada! Que pobreza! Coitada! Olha p’ra isto! Mamas de silicone! Agora as gajas andam mais montadas que as bichas! Pelo menos, eu queridinha, não pus silicone! Não preciso! Uma verdadeira artista não precisa de mamas postiças como tu queridinha! Deixa ver o sapatinho! Ai o sapatinho! Ai, adoro! Deixa-me experimentar! Ai não sai! Ai, o raio da morta que não larga os sapatos! Oh amiguinha não vais levar os sapatos depois de morta, deixa lá isso! Ai, adoro! Bem, não sabia eu que vinha ao Montijo à discoteca e que quando fosse à casa de banho ía ser brindada com um sapatinho novo! É só no desfile! Vês? Assim é que se desfila! As bichas agora desfilam muito melhor que as gajas! Não tive eu foi a oportunidade de ser descoberta, senão tu havias de ver! Olha-me p’ra estas pernas! Fazem inveja a qualquer mulher! Tás a ouvir, oh torta? Pareces feita de borracha! Não pesas muito tu! Também não deves comer nada! Deves ser daquelas que só come iogurtes magros, comprimidos de chá verde e depois passa o dia a vomitar! Vamos mas é tratar do postiço antes que chegue alguém! Acho que tenho aqui uma tesourinha e vou levar o cabelo, e é já! Também se encontrarem uma galinha morta despida, careca e depenada no meio do chão de uma casa de banho duma discoteca do Montijo, ninguém vai achar estranho! Olha e dá-te com sorte que da maneira que eu te vou cortar o cabelo ninguém vai desconfiar que eras loira falsa! Vou-te poupar a essa vergonha! Ainda me vais ficar agradecida! Ficas-me a dever uma! Pagas prá próxima deixa lá! Numa outra encarnação! Sim, que eu sou bicha mas sou crente, ouvistes? Tenho muita fé! Sou crente e eu sou uma profissional dos cabelos! Mas onde raio é que eu meti a tesoura? Tenho a certeza que a tinha aqui ao fundo desta mala! Sim, que uma mulher prevenida vale por duas, mas uma bicha prevenida vale, por três! Tesoura, linha preta, agulha e um alfinetinho nunca falta! Que uma artista tem de estar sempre no seu melhor! E olha queridinha mal por mal se, se meterem com a gente, pego na tesoura e é com cada arranhadela que é vê-los a fugir! Sim, que a gente é artista mas não é parva! Os polícias bem a queriam apreender na outra noite! “Posse de arma branca” diziam eles! Ai filha se a arma fosse preta eu não andava com ela, deixava-a em casa! Sim, que elas são umas invejosas! Ai, encontrei a tesoura! Então deixa cá ver esses cabelos, queridinha! Vou-te cortar isto bem cortado, vais ver. Quando te enterrarem até há-dem de dizer: “Era tão boa rapariga, a morena!” Não sei se eras boa rapariga, mas devias de ser, porque até na hora da morte estás a fazer uma boa acção! E olha que eu bem preciso de um postiço novo filha, que as perucas que tenho já nem lá vão com soflan. E isto não está pra perucas novas! Isto está mau! Já não vou lá com o show. Além travesti, agora tive de voltar a atacar na rua, filha. Mas deixa ‘tar, que com a ajuda dos teus cabelos novos, vou montar um número, que ninguém se vai esquecer. E depois vou pra Espanha. Que as de Espanha ganham muito mais que à gente, são respeitadas e não têm de andar na rua. Vou mudar de vida, vais ver. Abençoados cabelinhos loiros! Foi Deus que te pôs no meu caminho. Tás a ver? És uma santa! Eu não te disse que acreditava em milagres? Quando eu for uma estrela em Espanha, vou-me lembrar de ti. Bem amiguinha, vou-me embora. É melhor guardar o cabelo e desaparecer daqui antes que alguém chegue e pense que fui eu que matei. Olha que até ficastes bem gira!

10 comentários:

Sofia Prista Cunha disse...

Que post tão cru e tão bem escrito :)

Denise disse...

Deve ter ficado uma coisa de fugiiiiirrrr... =)

Beijinhos*

Martinha disse...

"Sim, que uma mulher prevenida vale por duas, mas uma bicha prevenida vale, por três!"

Gostei xP

Então, digo sem "ses" que fiquei contente por ter contagiado. :))

Gi disse...

Vim agradecer a tua visita ao meu espaço. Estive a ler-te e escaparam-se-me um risos e sorrisos. Estou de partida para umas mini-férias como deves ter lido, mas volto logo.

Deixo-te um beijinho e um até breve

Marco Fav disse...

Como morreu a galinha? A curiosidade matou a Bicha? LOL

Abraço

Phantom of the Opera disse...

Cada história que aqui deixas faz sentido, contém a realidade deste País que por vezes entristece a minha alma.

Abraço sentido

Hugo Filipe Nunes disse...

gostei muito deste post... um bom texto.. como sempre... E desculpa andar muito desaparecido... eu prometo que escrevo qualquer coisa brevemente!

Abraço

LoiS disse...

O que vale é que existe sempre a Espanha nas nossas vidas! ou não?

LoiS

Pralaya disse...

Mais uma crónica fantastica... realmente só uma loira para apagar de vez numa casa de banho hihihi.

Nuno Gonçalo disse...

LOL Mais um texto excelente...
Para quando um livro?
abraço