26.8.07

O TELEFONEMA


21h30m da noite. Saio do El Corte Inglês, com alguns sacos de compras na mão, afinal foi o primeiro sitio onde fiz compras quando vim viver para Lisboa, e desde aí que não lhe resisto. Preparo-me para ir para casa dele, não sei muito bem como será, depois da espécie de discussão desta manhã. Recebo uma mensagem tua. Estranho. Nunca tinha recebido uma mensagem tua. “Preciso de falar contigo. Posso ligar?” Liguei, eu. Perguntaste se estava tudo bem conosco e se eu tinha a certeza disso. Ditas as coisas assim deixei até de ter certeza em que sentido iam as escadas rolantes do El Corte Inglês, e tu dizes: “Ele telefonou-me a convidar-me para jantar em casa dele, não percebi bem o intuito mas a voz estava... insinuante!” As minhas suspeitas daquele primeiro dia estavam a ser confirmadas. Não sei como não fui caí pelas escadas rolantes. Por momentos até desejei ter caído. Eu a escorregar pelas escadas. O meu cachecol a ficar preso num dos degraus, a puxar-me, a estrangular-me. Todos os meus cabelos a ficarem presos. Eu a asfixiar. E só visualizava a cara dele à minha frente a rir-se e a insinuar-se a ti, ali mesmo à minha frente. Mas infelizmente não fui. O momento Ally Macbeal terminou ali e tive mesmo de enfrentar o momento. Ele disse-te que nós tínhamos acabado. Fez o número do infeliz a ser consolado e pelos vistos a vítima a consola-lo durante o jantar serias tu. Ou seja estava a sair-te a sorte grande. Declinaste a sorte e disseste-lhe que um dia destes. Que é mais ou menos aquilo que as pessoas educadas dizem quando não querem ser deselegantes e dar uma tampa. E que quando pudesses, que telefonavas. E telefonaste, mas foi a mim. Não tencionavas jantar com ele. Mas ficaste preocupado comigo. Mas será que existiam mesmo razões para te preocupares? Afinal, ele não só te despiu mentalmente, como tencionava despir-te pessoalmente num jantar em casa dele. E, ao que parece, não era a primeira vez que ele usava este esquema e de facto não sei se alguma vez resultou ao ponto de me trair. Mas talvez tudo isso não fossem razões suficientes para te preocupares comigo, ou eram? Como tenho o coração demasiado perto da boca, e por vezes quase que tenho um enfarte se a mantenho fechada, assim que cheguei a casa questionei-o. Foi precipitado, eu sei, mas disse-lhe logo que já sabia do jantar, que tu me tinhas ligado. Não sou de esquemas como ele. Talvez se eu fosse, teria fingido que não sabia de nada, via no que tudo aquilo ia dar e apanhava-o na sua mentira. É o que dá! Espontaneidade a mais, por vezes é estupidez. Claro que, o que me apeteceu mesmo, foi esmagar a cabeça dele na roda de um carro. Pedir ao motorista que recuasse e avançasse vezes repetidas para transformar a cabeça dele numa folha fininha de crepe. Seguidamente iria ao forno para ficar estaladiça. Seria polvilhada com açúcar em pó, nozes e mel. E no fim, servir de sobremesa aos crocodilos! Mas lá mel tem ele! Porque é que eu não me admirei enquanto ele miava a convencer-me de que tudo não passava de uma estratégia para descobrir se era verdade aquilo que ele suspeitava? E essa grande suspeita era que tu estavas apaixonado por mim. Nessa altura deixei de o ouvir. Escadas rolantes, mel, crocodilos, crepes e motoristas, todos se tinham enrolado numa grande orgia e alguém tinha ligado o forno no máximo. Na minha cabeça nada fazia sentido, e o mundo estava de cabeça para baixo. Não me admirava nada se nesse momento tocassem à campainha e fosse um canguru com um saco do El Corte Inglês. Devo ter-lhe dito que aquilo era absurdo, e não fazia sentido nenhum. Era tudo absurdo. Se o Almodovar tivesse escrito o dia de hoje eu percebia, mas aqui não fazia sentido. Não fazia sentido ele ter-te convidado para jantar, o jantar ser em casa dele, o pretexto ser que nós tínhamos acabado, o propósito ser descobrir se tu estavas interessado em mim, e pior ainda eu suspeitar que ele é queria trair-me contigo e ainda por cima eu estar ali a ter esta conversa. Mas acabou por me convencer e eu mais uma vez acreditei na história da raposa salta-pocinhas, ao ponto de alinhar no segundo plano da estratégia dele, que consistia em eu te ligar e te convidar para jantar, e na tua voz ele iria provar-me que era verdade o teu interesse. A tremer, assim o fiz. Quando ouvi a tua voz do outro lado acho que não queria ouvir a tua resposta. Fechei os olhos e vi o sobretudo preto comprido. Desejei que naquele momento só existisse eu e o telefone. Desejei ter a coragem para desabafar contigo e te dizer que eu não era feliz e que vivia um absurdo de relação com alguém esquemático e que começava a por a minha sanidade mental em causa. Disseste que sim, que gostarias de jantar comigo. E depois não disseste mais nada. Fiquei a repetir o teu nome em silêncio. Na cama dele ficou também um silêncio, como no teu telemóvel. Não percebi o que tinha acontecido nem muito menos se o esquema dele tinha resultado. Longe de mim pensar que tinhas sido assaltado enquanto falavas comigo. Dois negros atiraram-te ao chão, partiram-te um braço e levaram-te o telemóvel. Com o braço partido, mas ainda sem dores insuportáveis, foste a casa, porque tinhas o meu número escrito num papel e ligaste-me duma cabine. Fiquei tão triste que só me apeteceu ir ter contigo e cuidar de ti. Mas ele arrancou-me o telefone das mãos e disse: “Tens o braço partido? É a vida, amiguinho!” Odiei-o tanto naquele momento. Só tinha vontade de o atirar pela janela do sexto andar, partir-lhe os dois braços para que ele sentisse a crueldade daquilo que te estava a dizer, e depois perguntar-lhe se os esquemas dele afinal funcionavam ou não. “Vês como é verdade? Ele está ficou todo apaixonadinho por ti! O meu sexto sentido não falha!” Mas a sua sensibilidade falhava e muito. Durante meses, não soube noticias tuas. Ficaste três meses com o braço engessado ao peito porque estavas a falar comigo ao telemóvel e isso eu nunca mais vou esquecer. No fundo era como se eu tivesse a culpa de te terem partido o braço. Se não fosse a minha voz, se eu não te tivesse telefonado, nada teria acontecido. Mas pensando bem, se ele não tivesse inventado aquele esquema absurdo – que ainda hoje creio que é mentira, porque o que ele queria era ir para a cama contigo – nada te teria acontecido. No fundo, foi ele que te partiu o braço nesse telefonema, porque se surpreendeu com a sua própria mentira, que de facto tu estavas mesmo apaixonado por mim.

9 comentários:

Pedro Eleutério disse...

Eu acho que é mais Nokia disconnecting people.
Muito boa esta crónica - alguém tem sempre de ser o culpado.

Abraço
Pedro

Marco Fav disse...

Primeiro: não deves conduzir para ir ao El corte Inglês! A primeira vez que lá fui, foi de carro (obviamente não era eu o condutor) e foi uma volta de feira-popular o circuito do parking. "O que é que isto tem a ver com o post?" - poderias perguntar. "Nada", respondo LOL
Segundo: ADORO a Nokia! Confesso que agora tenho um Motorola (o que calha bem, pois tem um "M" em todo o lado e parece personalizado para mim), mas sinto-me uma beca prostituído...
Terceiro: este post devia chamar-se "Love hurts" LOL

Abraço

Denise disse...

O teu livro. Isso está lá, não está?! Já o li... Não me lembro se a primeira parte do texto está mas a parte do braço partido, tenho quase a certeza... Ui a minha memória é enorme...e o meu comentário já o tens, só para ti!

=)
Beijinhos*

Anónimo disse...

Livro?
Escreveste um livro?

abraço* Pedro

Denise disse...

Hum... o meu blog tem uma prenda para ti... =P

peter_pina disse...

pedro: eu bem procurei "disconecting" mas nao encontrei..mas na verdade até acabou por conectar!

gemini: eu nao sei conduzir!!!!

denise: sim, está lá uma parte parecida, no livro tinha k contar esta historia

pedro: sim, escrever já escrevi, agora só já falta é conseguir publica-lo!!!

Nuno Gonçalo disse...

É capaz de a ser porque eu hoje estou especialmente lerdo, mas com tanto "ele" perdi-me. Duas personagens chamadas "ele" é o suficiente para baralhares o Nuno. XD Ok, está muito boa a crónica, mas acho que já não é novidade, portanto esta é a parte em que me calo. Mas a minha tendência estúpida para escrever uma carrada de palavras para dizer algo que poderia ser exprimido em apenas duas ou três (do estilo: "Muito bom, gostei!") revela-se cada vez mais, sempre que tenho que escrever. Mas é deveras engraçado porque sempre ficas com um comentário maior e mais elaborado. Se toda a gente fosse cruel como eu, demorarias umas horas a ler todos os comentários. Começo a ficar cansado e um dia destes ainda apanho uma valente tendinite, portanto acho que vou mesmo parar por aqui.
Apenas em jeito de resumo:
"Muito bom, gostei!"
Abraço

peter_pina disse...

nuno:

k?????

nao existem 2 personagens iguais!

existe o EU, existe o TU e existe o ELE!

mas adoro k escrevas monólogos testamentais nos comentarios!

LoiS disse...

Pedro não te aleijes ;)

Fica sempre bem!

LoiS