28.4.07

CROISSANTS VOADORES




A noite tinha sido altamente. Tínhamos arranjado umas roupas muito à frente e a animação tinha sido fantástica. O Bruno tinha levado umas pastilhas que um amigo lhe trouxe de Londres, que nos fizeram bombar a noite inteira. Eu, que por norma encharco-me em álcool, mas não sou nada de drogas, percebi que em tempo de guerra não se limpam armas e entrei na onda. Eram oito da manhã, quando em botas pelo joelho com plataformas e mini calções dourados e fosforescentes, saímos da festa. A animação tinha sido bem paga, e como estávamos os três a morrer de fome, decidimos ir tomar o pequeno-almoço. Mas de preferência a uma pastelaria perto de minha casa, porque nenhum de nós já sentia as pernas. E antes que o Ronaldo começasse a reclamar e a pedir muletas, e cadeiras de rodas, ou pior, para o levarmos ao colo, lá saímos do táxi e entrámos numa pastelaria de bairro, mais pequena que a minha casa de banho, cheia de velhotas com ar de missa de domingo. Isto depois do taxista nos ter aturado o caminho todo, com a mania que éramos estrangeiros, a falar inglês bêbado e mocado. Ronaldo, calça as botas! Já era suficientemente mau termos a maquilhagem de olhos rasgados, azul, prateado e laranja até à testa, toda borratada, estarmos semi-nus, com o peito cheio de correntes e purpurinas, os cabelos cheios de penas azuis, eu com uma trança de índio enorme, e o Bruno com pregos de plástico colados na cabeça rapada, agora sem botas é que não podia ser. Um artista, seja de noite ou de dia, neste caso, da-noite-no-dia, tem de preservar a sua imagem, nem que tenha de sofrer para isso, mesmo que isso implique entrar na pastelaria às 8h da manhã de botas até ao joelho com plataformas, depois de estar a dançar desde a meia-noite. O Ronaldo, a muito custo, calçou as botas, e eu já sonhava com um croissant prensado com queijo e fiambre, que me estava a dar água na boca. Água, era definitivamente a última coisa que me apetecia beber, depois de toneladas de shots de vodka. Eu queria leite com chocolate, bem quentinho. O Bruno já se tinha decidido por um galão, e o Ronaldo ainda estava a decidir, quando o funcionário se aproxima da nossa mesa. A fome era tanta que mesmo antes de ele dizer “Bom dia!”, acho mesmo que não o disse, ou seria “Boa Noite!”? Despejei logo ali o pedido. Bom Dia, são três croissants prensados com queijo e fiambre, um galão morno e um leite com chocolate bem quente. Os senhores não estão vestidos à altura de serem servidos, queiram sair, por favor. Não estávamos à altura? Equilibrados em plataformas de 20cm, não estávamos à altura? Que altura é que era precisa para comer um croissant ranhoso esmagado na tostadeira com queijo numa espelunca de bairro num domingo de manhã, a abarrotar de velhas de missa? Eu, muito calmo, olhei para ele e simplesmente sorri. Levantámo-nos da mesa e calmamente dirigimo-nos para a porta da saída. Aceitei. Estávamos cansados e cheios de fome e não íamos comer os croissants. Mas eu não me detive. Mesmo antes de sair, fiz uma paragem no balcão e bem alto perguntei se não tinha livro de reclamações, ao que o homenzinho muito nervoso responde que não. Pois devia ter. Porque além de não se poder recusar a servir-nos, pode ter que pagar uma multa por não ter um livro de reclamações neste estabelecimento! E se nós daqui a pouco viermos com a policia? Eu em altos gritos esbracejando ao balcão. O Bruno atira o casaco pelo ar e entra em calções de Lycra fosforescente para dentro do balcão, com gestos de ameaça, como quem desafia o inimigo para lutar. Estão, ou melhor estavam duas travessas recheadas de croissants acabados de sair do forno, que o Bruno com um golpe de braço faz voar. Foi lindo ver croissants quentinhos a voar pela pastelaria. O Ronaldo sentado em cima do balcão, que já não aguentava das pernas, mas aguentou-se a não tirar as botas ali, gritando, oh Bruno, oh Bruno, vamos embora, oh Bruno, oh Bruno! Quando saímos do campo de batalha, desatámos todos a rir, imaginando o campo recheado de restos de croissants voadores! Eu disse ao Ronaldo para tirar as botas, ali mesmo no meio da rua, a batalha estava ganha, era hora de arrancar as armaduras. E aqui estamos os três em minha casa, sentados pelo chão e pelo sofá. Continuamos em boxers, desta vez de algodão, depois de um banho e prontos para irmos dormir. Já são 10h da manhã. Não comemos os croissants, mas eu cozi um fusili fantástico, que com atum e queijo fundido, nos sabe que é uma maravilha!

9 comentários:

Nuno Gonçalo disse...

Bem gostei da atitude XD Gostei da parte das botas de plataformas d 20 cm... Apesar de imaginar essa noite seja um pco estranho...
abraço

jocasipe disse...

Gostei.

PS: no teu nick tens associado o endereço desta pagina em "http://ascronicasminhas.blogspot.pt/", quando deveria terminar em .com

Denise disse...

Epa...depois deste cenário todo pergunto-te eu... Os boxers são dos justinhos?!
De que cor?! =P

Sheep* disse...

obrigada pelo teu comentário :) lerei alguns textos teus mais tarde. beijinho*

(ps - não gosto de estar sozinha. ele também não gosta de estar sozinho. por isso agarramos a mão um do outro. porque não agarras a mão de alguém? talvez as tuas mãos agradecessem :)*)

Anónimo disse...

já conheço algumas destas histórias tuas, mas são tão leves que sabem sempre bem, como esta ultima,,ui..ui..não me importava nada de tar de volta dos croissants aí no chão da sala contigo e inda pra mais só de boxers mon chéri qu'és tão gostoso..mnham..mnham..coisa boa!hehehe..góto mêm'dti pá; é pukê?

SoNosCredita disse...

prometo que virei ler-te com mais calma...

p'ra já, deixo um obrigada pela visita! :)

Plum disse...

Adorei este teu blog e deliciei-me com as tuas crónicas!Fantástico!!!***

peter_pina disse...

obrigado a todos! e Denise sim, o bruno tinha uns boxers muito justinhus lol mas so na minha imaginaçao

peter_pina disse...

jocasipe: verdade: sorry!

nuno: estranha mas muito estranha mesmo!

plum: obrgd!

nena: ADORO.TE