22.5.07

OS DOIS IRMÃOS

Conheci-te na rua. Era noite. Caminhávamos na baixa em sentidos contrários. Parámos. Olhámo-nos. Vieste ter comigo e convidaste-me para tomar um copo ali perto. Já era tarde. Não havia nada aberto ali perto. Queríamos conversar. Convidei-te para conversarmos em minha casa. Aceitaste. Caminhamos. Subimos essa rua principal da baixa. Subimos toda a rua. Ficamos a noite toda deitados no sofá da sala. Conversamos, contas-me os teus segredos. Confessas-me que tens medo de dormir, que por vezes não consegues mesmo dormir. Não dormes. O sofá está aberto no chão. É madrugada. Fazemos amor. Beijas-me o corpo. Não me sinto louca por estar a fazer amor deitada no sofá aberto no chão da sala, com um rapaz que conheci na rua à umas horas atrás. É bom. Sinto que poderia ficar assim por muito tempo. Não me importava de me apaixonar por ti. Não sei nada de ti, apenas te conheci na rua e agora estamos deitados no sofá aberto no chão da sala, mas não me importava de me apaixonar por ti. Depois dizes-me que amanhã vais para o Brasil e não sabes quando voltas. Podes ficar uns dias, um mês, um ano. Conheci-te hoje, fazemos amor e amanhã vais para o Brasil. Que péssimo sentido de oportunidade, penso. Abraças-me. Abraço-te. Dizes que queres ficar abraçado a mim até à hora de ires para o aeroporto. E voltamos a falar dos sonhos, e dos teus sonhos e do teu medo de dormir. Só dormes de dia, dizes, à noite não consegues dormir. E enquanto falas de ti, enquanto te ouço a contar esses teus segredos nocturnos percebo que existe algo familiar na tua voz. Penso isto. E digo-te. Digo-te em voz alta que a tua voz me faz lembrar alguém que eu não sei quem é. E enquanto digo isto em voz alta percebo que a forma da tua boca também me faz lembrar esse alguém. Ficas estranho de repente. Perguntas-me se ele não teria um carro não sei de que marca, mas respondo que não sei, não percebo nada de marcas de carros. Apenas me lembro que era escuro, azul ou preto, cinzento talvez, com cinco portas. Sei que tinha mudado de casa à muito pouco tempo com a família, ou melhor com o irmão e a mãe, pois os pais estavam separados, lembro-me de me ter contado que os pais estavam separados. E de repente lembro-me de tudo, e lembro-me dele. A cada coisa que relembro ficas mais estranho e mais assustado. E depois digo-te que ele me ofereceu um livro onde na primeira página costa a sua dedicatória. Vou buscar o livro. Mostro-to. Ali está, na primeira página desse o livro, no fim de algumas palavras carinhosas, a sua assinatura: João. É aí que me olhas fundo nos olhos e me dizes “ é o meu irmão”. Agora é a minha vez de ficar estranha e assustada. Estou deitada no sofá aberto no chão da sala com o irmão de um rapaz com quem estive em tempos. É estranho. Dormi com os dois irmãos, sem saber sequer que eram irmãos. Digo-te que nunca mais o vi. Passaram dois anos desde que ele me telefonou e me disse que era melhor não nos voltarmos a ver. E nunca mais o vi. Ficas estranho. Noto de repente uma frieza em ti. É tarde, dizes. Levantas-te. Dás-me um beijo na cara e sais, depois de te desejar boa viagem e depois de me prometeres que me ligas assim que chegares a Portugal. Fico sozinha, deitada no sofá aberto no chão da sala. É estranho. Dormi com dois irmãos, sem saber sequer que eram irmãos e que nunca mais vi na vida...

4 comentários:

Pralaya disse...

Visto eles serem irmãos, dai talvez ela não ter estranhado tanto o facto de sentir algo por uma pessoa que lhe era estranha, ao ponto de partilhar uma parte importante dela com essa pessoa.

Graduated Fool disse...

Estranho, diferente mas acima de tudo bonito, enternecedor... a vida tem destas coisas.

Nuno Gonçalo disse...

Subscrevo totalmente o comentário do pralaya.
Mais uma história fantástica ;)

Margaret disse...

oohhh kero xorar... n posso c historias d amor k n dao certo.