20.7.07

MATANÇA DO CABRITO


A vida custa a ganhar a todos! Sou travesti, drag queen, transformista, a palavra que quiserem usar, existem muitas diferenças e muitas categorias dentro do género! Trabalhei como Drag durante muito tempo numa dessas discotecas. Mas depois fui despedida. E como isto não ‘tá fácil, tenho de matar alguns cabritos lá em cima. Aquilo lá em cima não é facil. E não é fácil ter de apanhar dois autocarros p’ró Cacém p’ra poder apanhar o comboio p’rós restauradores, p’ra depois apanhar o metro p’ro Marquês, e ir trabalhar assim vestida. Não é fácil morar em “Valha-me Nossa Senhora de Baixo” e andar em tacões. Mas já nem pra travesti me querem, e não sei fazer mais nada. Só me resta matar uns cabritos. E pelo menos vou linda e pago as contas lá de casa. Casa! Um barraco! E queimado ainda por cima! Sim, que no outro dia a velha deixou o fogão ligado e adormeceu. Quando nos demos conta estava a casa a arder. Nem os posters da Madonna consegui salvar. Tudo porque a minha mãe é boazinha e não põe a velha no lar. Se fosse eu, já tinha corrido com ela. Porque quem paga a gaita das contas e dá dinheiro p’ra comer sou eu, que a minha mãe já não tem forças nas pernas p’ra andar a lavar escadas. A velha no inicio começava aos gritos que não queria um neto maricas nem muito menos de saias e que se o meu avô visse, e se o meu avô visse, mas quando viu que as papas que ela come e as fraldas que usa é o neto de saias que as paga, começou logo a piar mais fininho. E se o meu avô visse, e se o meu avô visse, vinha era atrás de mim a correr a tocar gaita-de-foles que estas pernas numa meia de rede até fazem parar o trânsito! E assim vivemos as três! Agora que fui despedida só me resta ir lá pra cima. É que, eu tinha comprado uns tacões novos todos em strass preto que uma me trouxe de Londres e que cá não há, p’ra estrear um número na Gala do Travesti! Tinha gasto o dinheiro todo e era fim do mês, e não tinha como pagar a renda e a senhoria já nos tinha ameaçado que nos despejava. Então p’ra não ir p’ra rua, tirei emprestados uns trocos do fundo de caixa. A gorda chegou na hora certa, certa pra ela, pra mim foi bem errada, e apanhou-me com a boca no trombone. Eu que de boca ate sou perfeitinha, e nunca nenhum se queixou. Também ai deles! Mato cabritos lá em cima. Ando ao ataque, na vida, como queiram chamar-lhe. Dêem as voltas que lhe derem e chamem-lhes os nome que chamarem fazemos todas o mesmo. Vendemos o corpinho. Vendemos, não. Eu não vendo, eu alugo. Alugo por meia hora, e depois é bazar que há mais quem queira, mas no fim o corpo é meu. Sou como sou e não se metam comigo que esta tesoura já deixou algumas valentes marcas nalguns espertinhos que não queriam pagar. A rua não é fácil. Mas lá em cima já me respeitam. Temos de nos defender. Até das antigas, que não deixam trabalhar a gente, querem os clientes todos p’ra elas. Uma já ficou sem um olho que é p’ra ver melhor com quem se mete! E agora são as novas. Aparecem lá bichinhas de 20 anos que nem pintar se sabem. Até envergonham a gente. Anda uma bicha a poupar dinheiro pró rímel, eye liner e blush, a ver esses programas da sic gaja a ver se aprende a melhorar o rostinho e essas macacas enchem-se de purpurina e acham que estão pintadas. No outro dia um cliente queria por 20euros no carro, eu disse que não, no carro são 30, a Katia também disse que não, e a bicha foi fazer o cliente por 20. Quando voltou, levou tanta porrada que andou uma semana a coxear nos tacões. É pra aprender. Vem pra aqui habituar mal os clientes e depois nós, é que as pagamos que não há quem lhes dê conta! Querem fazer eles o preço? Quem faz o preço não é o cliente, é a gente. Aqui não há de tudo como na farmácia, e isto não é o da Joana! Lá em cima quem faz o cliente não é a mais barata, é a mais bonita. Essa é a regra. Lá em cima há regras e quem não as aprende leva porrada até saber a tabuada de cor e aos saltinhos. É assim a vida de quem anda lá em cima a matar cabritos. Que a vida custa a ganhar a todos!

20 comentários:

Pralaya disse...

Sempre gostei desta expressão "Matar Cabritos", demorei imenso tempo até perceber o seu significado.
Quando explicaram-me fiquei de boca aberta nunca pensei... mais uma crónica bem contade e que dá vontade de rir.

Marco Fav disse...

Bolas, também fiquei "à nora", com essa do cabrito! Acho que mostras um lado muito humano e triste nesta (e em muitas outras histórias), apesar do tom cómico. Por vezes, não me sinto suficientemente "humano" para o apreciar como deveria.

Anónimo disse...

Como eu sou de outro planeta não fazia ideia do que se tratava até chegar ao fim e perceber..

Não fossem as explicações que o autor coloca aqui e ali num e noutro pormenor, ou ter chegado aqui e lido estes comentários, e eu poderia muito bem pensar que está tudo louco, que ninguém se entende, enfim, reacçoes que a ignorancia imprime nas pessoas distraídas e nas contraídas..

Aprender é mesmo o melhor que a vida tem. Aqui vai-se aprendendo com rasgos de humor e frontalidade.

Voltarei para ver da música..

mymind disse...

uma dura realidade k aki kontas!
bm f-d-s!

White_Fox disse...

Antes de mais obrigado pelo comment!
Pelos vistos a vida não corre bem a muita gente...

Martinha disse...

Só percebi a expressão "matar cabritos" depois de ler a crónica toda...
Mais uma história muito gira. xD
Beijinho *

helena disse...

é... a vida é bem dificil e a tua nao é nd facil... espero dias melhores tb.
Gostei do teu espaço e vo te lincar posso?
bjinhus e bom fds

peter_pina disse...

helena: a minha vida em comparaçao com algumas historias k conto, nomeadamente esta, é perfeita!

claro k podes linkar! obrgd pla visita!

a todos: a expressao matar cabritos, ouvi-a no porto, kdo la vivia, e algumas destas frases e expressoes foram-me mesmo contadas tal como as escrevi.

Graduated Fool disse...

Não conhecia e expressão "matar cabritos". Agora já não estranharei quando a voltar a ouvir.

O texto: cómico, divertido, hilariante mas triste, dorido, também.

É mais umas das realidades do nosso país. Uma realidade aqui muito bem expressa.

Denise disse...

Que violência... =P
Tu sabes que me perco com os teus textos, sou uma apaixonada pela tua escrita...E olha llá, já agora, qual é a cena de não tomar o café?! Era o que faltava, olha que faço plágio do teu livro =P
Hehehe...
Tens de me prometer uma coisa... O primeiro autógrafo é meu, ok????!

Beijinhos*

Ácido Cloridrix HCL disse...

Foste desafiado para uma "bananada",,,,, espero que aceites,,,, http://sexohumorprazer.blogspot.com/2007/07/desafio-da-banana.html ,,,, HCL

Unknown disse...

Quando aqui vim cuscar o teu cantinho não estava à espera de encontrar uma história simultaneamente cómica e triste. Realmente podemo-nos queixar muito, mas há sempre histórias piores que a nossa.

Bom blog.
Abraço

Rafeiro Perfumado disse...

Pedro, obrigado pela visita, permitiu-me descobrir o teu blog. Tenho de voltar cá com mais calma, mas digo-te, gostei imenso da tua forma de contar "histórias".

Um grande abraço!

Prof disse...

Acho que contas pequenas histórias de uma forma magistral, com um realismo depurado de artifícios que me atrai muito. Nem sempre consigo entrar no teu blog porque, às vezes, demora imenso tempo a abrir mas quando tenho mais tempo, acho que a espera vale a pena. No que diz respeito ao conteúdo desta crónica em particular, gostei especialmente da expressão "alugar o corpo" porque efectivamente o corpo é nosso e não se vende; podemos alugá-lo e até emprestá-lo mas continua a ser nosso.
Gostei muito, mesmo muito do texto...
Um beijo!

Will disse...

"Matar cabritos"??? Não posso!!!

LOLOLOLOLOL

Está excelente: cómico e realista ao mesmo tempo... Parabéns!

Hugo Filipe Nunes disse...

É a vida está dificil para todos. Mais para uns que para outros.

A minha corre bem! Estou a conseguir seguir em frente p.p.!!...


Um abraço,
filipugo

Ácido Cloridrix HCL disse...

Ainda vais ter que publicar um Livro,,,, ilustrado,,,, com essas tuas crónica um dia,,,, mereces!!!
Abraço,,,, HCL

Conguitos disse...

Não conhecia a expressão... parabéns pelo post muito muito bom

Anónimo disse...

...depois de ler uma escrita assim,paralelamente à experiência de vida ou não...para quando o livro algures aí para se ler...aquele que ainda não tinha há uns tempos um título? É que o corpo faz a essência, ou a essência o corpo? Como nos Anjos na América: "O corpo é o jardim da alma..."

Desculpa a invasão. Mas depois de andar por aí nos teus cantos bloguísticos não resisti a deixar um comentário.
Belíssima escrita.

Um sorriso aqui da Teia.

aquelabruxa disse...

muito bom!
mais uma crónica que me transporta.