27.4.07

UM ASSALTO QUASE PERFEITO




Já tinha atravessado Sá da Bandeira, a rua perfeita para assaltos, e preparava-me para virar para Gonçalo Cristóvão às onze e meia da noite quando vejo um carapuço preto que rasteja à minha frente. Rapidamente o meu instinto de sobrevivência dita-me duas soluções. Entrar na sex-shop do lado esquerdo que creio que fechava à meia-noite, não sei como é que eu sabia o horário daquele estabelecimento, ou ultrapassar o capuz preto que era mais alto que eu, e num passo acelerado percorrer Gonçalo Cristóvão e entrar no 224. Armo-me em herói e escolho a segunda opção. Claro que no dobrar da esquina o capuz preto vomita um: dá-me tudo o que tens acompanhado pela amiga seringuita. Mas será que estes projectos de assaltantes não conseguem ser mais originais? Ou formam-se todos no mesmo Curso Intensivo da Escola Para Assaltantes Portuenses, onde se verifica uma escassez de frases e só lhes resta usar todos a mesma? Aproveito e pergunto-me se a seringa não será também a mesma, passada uns aos outros género estafeta em corridas de Jogos Olímpicos. Estava eu de mochila às costas e mãos nos bolsos, quando, e para não perder muito tempo com aquilo, retiro a carteira do bolso de trás dos jeans, e enquanto lhe exibo uma pequena moeda de cinco cêntimos, lhe digo: tenho apenas cinco cêntimos, queres cinco cêntimos? Ora aquilo não lhe estava a correr bem e o carapuço preto começa a desconfiar da perfeição daquela tentativa de assalto quando eu repito: tenho uma moeda de cinco cêntimos, queres cinco cêntimos? Estás a gozar? Eu dou-te um murro! Mas para quê, o que é que isso te vai adiantar se os cinco cêntimos não se transformam em cinco contos se me bateres? Eu parto-te a cara toda! Não percebo para quê! E uma mota com dois capacetes pára e pergunta em eco: oh chefe há problema? Ao que eu respondo: há, ele está a tentar assaltar-me, mas eu só tenho cinco cêntimos e ele não quer! Olho fixamente o carapuço preto exibindo firme e hirto como uma barra de fero a moeda preta e questiono novamente: tenho cinco cêntimos, queres cinco cêntimos? Ele não quer! Um dos capacetes salta da mota, abraça-me enquanto viramos costas e caminhamos em sentido contrário e me tenta confraternizar: deixa lá o gajo! Mas eu queria dar-lhe cinco cêntimos, ele disse-me para eu lhe dar tudo o que eu tinha e agora não quer! Preparo-me para subir por Sá da Bandeira e fazer um desvio, quando percebo que estava demasiado perto de casa, e não me apetecia nada reencontrar um destes dias o capuz preto à porta do 224. Decido descer em direcção à Trindade, para fazer um desvio maior, mas que certamente o iria despistar e para eu poder chegar a casa e tirar a mochila pesada das cotas. Estava quase a fundo de Fernandes Tomás, a primeira rua que conheci no Porto, quando me sinto seguido, e avisto o capuz preto em minha direcção. Tentando remediar a situação numa espécie de oh-tempo-volta-pra-trás ou porque-é-que-eu-não-entrei-na-sex-shop, entro numa Boíte. O porteiro olha para mim. Eu conto-lhe o episódio do assalto quase perfeito do capuz preto não fora eu ter apenas cinco cêntimos e o porteiro diz-me: deixe-se estar aqui um bocadinho, que eu já ouvi falar dele e ceio que costuma andar por aí. Sai um bigodinho aparado, blaser vermelho, exibindo uma cruz dourada que realçava os pelos do peito que a camisa aos quadrados verdes deixava ver, a quem o porteiro diz: não se importa de deixar este senhor ali em Gonçalo Cristóvão e que me deixa à porta do 224 num carro todo XPTO. Entro em casa. Sento-me no sofá. Abro a mochila de onde retiro o meu novo discman, três Cds já não sei de quem e o telemóvel. Guardo a carteira e apercebo-me que tinha escondido de mim mesmo ao fundo da carteira, para me proteger de não gastar e poder comprar não sei o quê, cinquenta contos. Atirei-me para o sofá a rir do capuz preto que não teve a inteligência e perspicácia para me pedir para abrir a mochila, nem muito menos para me revistar a carteira e me surpreender, ao descobrir o segredo que eu guardava e escondia de mim mesmo. E pobre e mal agradecido nem sequer aceitou a moeda de cinco cêntimos?

3 comentários:

Denise disse...

LOOL os ladrões estão tramados contido...
5 centimos podem mudar a vida de muita gente...! =)
Moras no porto é?!

peter_pina disse...

lol este coitado no fundo foi o mais engraçado! mas acredita denise k xeguei a casa kuase sem conseguir respirar! vivi 8 anos no porto, e foram todos muito divertidos!

bjus

Nuno Gonçalo disse...

É bem... Estes ladrões portugueses cada vez têm pior formação... As pessoas não têm vocação para a coisa e depois sai disto... É como os meninos que têm altas notas e portanto vão pa medicina e depois são uns grandes médicos, sem vocação não se faz nada...
Vou montar uma escola para ladrões! XDXD