
Durmo numa cama enorme. Uma cama apenas com um corpo é uma cama vazia. Desde criança que durmo numa cama grande. Era adolescente e imaginava-me a dormir acompanhado. Imagino ali um outro corpo. Imagino o espaço que ocupa. Imagino abraçar esse corpo. Imagino o seu rosto. Na minha imaginação dormir acompanhado seria tão perfeito, que as duas pessoas estariam toda a noite aos beijos, olhando o rosto um do outro. Mas na minha imaginação faltava o pormenor do dia seguinte. Uma noite sem dormir implica um dia seguinte e todas as consequências de trabalhar à base de cafeína numa tentativa de me manter acordado. Na minha imaginação os dois rostos estariam virados um para o outro, sempre na comunhão e certeza da presença um do outro. No entanto, na minha imaginação faltava o pormenor da respiração. Dois rostos virados um para o outro, faz-me faltar o ar. Começo a ficar ofegante, numa tentativa árdua de beber algum oxigénio. Então na minha imaginação um dos corpos estaria de costas, porém estaríamos abraçados toda a noite. Mas na minha imaginação faltava o pormenor da temperatura. A meio da noite temos de retirar um cobertor, a manta. Seguidamente os lençóis serão também retirados tal como os pijamas que estão ensopados. O que a meio da madrugada origina a imagem de dois corpos a tremer de frio. Na minha imaginação, dois corpos abraçados seria a perfeição do aconchego. Porém na minha imaginação faltava o pequeno pormenor físico da posição em si, mais propriamente: o braço. Existe um braço que efectivamente abraça o outro corpo. No meu caso é o esquerdo. E o outro? O que se faz com o braço direito? Fica por baixo do outro corpo, sendo completamente esmagado e acordar dormente a meio na noite? Coloca-se por cima correndo o risco de cair na cara da pessoa? O que se faz com o braço direito? Então a minha imaginação de dormir acompanhado começa a ficar agravada com imagens de cabelos na minha cara, um ressonar que levemente entra no meu ouvido até me fazer acordar e adoptar a técnica do encontrão. Ranger de dentes. Empurrões. Cair da cama. A imaginação de dormir abraçado torna-se num verdadeiro pesadelo sem conseguir pregar olho toda a noite. Esqueço completamente toda a minha imaginação e aceito e declaro que é de facto completamente impossível dormir acompanhado. E um dia conheço-te a ti. E um dia sem imaginação, sem programar ou pensar e analisar posições abraço-me a ti e dormimos todas as noites abraçados. O que faltava na minha imaginação era o pormenor do ritual do beijo de boa noite e desta sensação de partilha do teu corpo com o meu corpo. Hoje sei que dormir abraçado não é imaginação e até hoje o meu braço direito nunca se queixou. Mas hoje tu não estás. O teu corpo abandonou a minha cama. Esta cama tornou-se fria, sem ar. O meu braço direito sente-se perdido à tua procura num escuro vazio. Hoje, continuo a dormir numa cama enorme. Mas uma cama apenas com um corpo é uma cama vazia.